Morreu Mário Cesariny
1923 - 2006
O poeta surrealista morreu esta madrugada com 83 anos.
Nascido em Lisboa a 9 de Agosto de 1923, além de poeta, romancista e ensaísta, Mário Cesariny dedicou-se também às artes plásticas, sobretudo à pintura.
Estudou no Liceu Gil Vicente, frequentou o primeiro ano de Arquitectura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa e mudou depois para a Escola de Artes Decorativas António Arroio, tendo igualmente estudado música com o compositor Fernando Lopes Graça.
Durante o período em que viveu em Paris, em 1947, frequentou a Academia de La Grande Chaumire e foi na capital francesa que conheceu o fundador do movimento surrealista francês André Breton, cuja influência o levou a integrar no mesmo ano, embora à distância, o Grupo Surrealista de Lisboa, formado por António Pedro, José-Augusto França, Cândido Costa Pinto, Marcelino Vespeira, João Moniz Pereira e Alexandre O'Neill.
Quando terminaram as experiências colectivas do que foi quase "um movimento (mais ou menos) organizado" Cesariny prosseguiu sozinho, como fariam alguns dos seus outros companheiros que sobreviveram à aventura surrealista, com uma actividade inesgotável e orientada em várias direcções.
Transcrevemos três poemas de Mário Cesariny,
o primeiro dos quais
tem hoje uma actualidade notável...
Todos por um
A manhã está tão triste
que os poetas românticos de Lisboa
morrem todos com certeza
Santos
Mártires
e Heróis
Que mau tempo estará a fazer no Porto?
Manhã triste, pela certa.
Oxalá os poetas românticos do Porto
sejam compreensivos a ponto de deixarem
uma nesgazinha de cemitério florido
que é para os poetas românticos de Lisboa
não terem de recorrer à vala comum.
Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
Passagem dos elefantes
Elefantes na água optimistas à solta
optimistas à solta elefantes na árvore
elefantes na árvore optimistas na esquadra
optimistas na esquadra elefantes no ar
elefantes no ar optimistas em casa
optimistas em casa elefantes na esposa
elefantes na esposa optimistas no fumo
optimistas no fumo elefantes na ode
elefantes na ode optimistas na raiva
optimistas na raiva elefantes no parque
elefantes no parque optimistas na filha
optimistas na filha elefantes zangados
elefantes zangados optimistas na água
optimistas na água elefantes na árvore
Mário Cesariny
São de Cesariny as "notas" que se seguem:
"Eu acho que se se é surrealista, não é porque se pinta uma ave, ou um porco de pernas para o ar. É-se surrealista porque se é surrealista!"
"[o amor] É a única coisa que há para acreditar. O único contacto que temos com o sagrado. As igrejas apanharam o sagrado e fizeram dele uma coisa muito triste, quando não cruel. O amor é o que nos resta do sagrado."
"Sou um poeta bastante sofrível numa época em que o tecto está muito baixo."
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