No Público
Dois apontamentos, dignos de ser mencionados, na Crónica de J.Bénard da Costa.
1. Hoje tudo mudou, como na escola do estudante alsaciano. O francês, para os menores de 45 anos (e estou a ser benévolo), é uma língua morta e, nos raros casos em que o não é, está longe de despertar fervores ou favores. A música ligeira francesa, que, de Chevalier a Piaf, passando por Jacqueline François, Patachou, Juliette Greco, Brassens, Aznavour, etc., etc., foi trauteada pela geração que me precedeu e pela minha e fez chorar tantos adolescentes quando o mar apagava na praia "les pas des amants désunis", quem é que a ouve ou sequer recorda o nome dos seus intérpretes? No meu tempo, todos, "burgueses ou ainda menos", tínhamos um mestre francês, fosse ele Sartre, Aron, Aragon, Mounier ou Camus. Quando chegou a aberrante moda dos estruturalismos (última das modas intelectuais vindas de França), em Portugal houve as mesmas guerras e as mesmas raivas, com a Quinzaine Littéraire a dizer-nos se devíamos estar do lado de Sartre ou de Foucault. O cinema aprendia-se nos Cahiers ou na Positif e os leitores de uma ou de outra não se falavam. A apoteose final foi Maio de 68, quando maístas éramos todos. Os anos 70 marcaram um crepúsculo.
2. Mas é verdade que tive um certo choque quando, a 7 de Novembro, comprei o Le Monde de 8, já que, segundo uma velha tradição, o Le Monde aparece sempre na véspera de si mesmo.Grandes títulos de primeira página: "Nicolas Hulot quer criar "l"étincelle écologique""; a morte de Jean-Jacques Servan Schreiber; Ségolène Royal (para quem não saiba a candidata à presidência da República pelos socialistas) declarou-se "en phase" com as profundezas da sociedade.Havia ainda um anúncio ao último Goncourt (Jonathan Littel pelo romance Les Bienveillantes) e um cartoon colorido por causa da tal coisa ecológica.
Confesso que tive um choque.
Passo à história de Servan Schreiber. Como não estava cá, ignoro o relevo que aqui lhe deram, mas calculo, segundo as sondagens segolianas, que nem 1% dos portugueses saiba quem é que o homem foi, apesar de ter morrido com razoáveis 82 anos.Há muito tempo que não pensava nele, mas, agora que o soube na terra da verdade, lembrei-me da última altura em que nos cruzámos. Foi num Congresso em Princeton, para o qual eu fui convidado (como assistente, claro está) em Novembro de 1968, quando o State Department me concedeu uma bolsa de um mês para "conhecer" a América. No citado Congresso, as celebridades eram incontáveis, os Nobeis vários, os Pulitzer muitos mais, e tudo presidido por Henry Kissinger, que fora ou havia de ser secretário de Estado. Servan Schreiber fez uma entrada triunfal: chegou de avião particular, com uma comitiva de atarefados secretários e lindíssimas secretárias, e dirigiu-se logo à mesa de honra para saudar Kissinger, como se o americano estivesse ali para o receber.Atónita, Lillian Hellman, a famosa escritora que no ano seguinte publicou An Unfinished Woman, perguntou quem era aquele homem. "He wrote a best-seller", respondeu-lhe alguém, referindo-se ao então muito conhecido Le Défi Américain. "Who didn"t?", retorquiu sarcástica a autora de Little Foxes.Mas é verdade que muita gente tomava a sério, nesses anos 60, "notre Kennedillon", como maldosamente lhe chamava Mauriac.Oriundo de uma família da grande burguesia judia, muito rico, Jean-Jacques, o primeiro que os franceses começaram a chamar à americana, "JJSS", tornou-se aos vinte e cinco anos no mais jovem editorialista da imprensa francesa, precisamente no Le Monde. Em 1953, aos vinte e nove anos, fundou um semanário e foi o famosíssimo L"Express, onde colaborou quem era quem, de Mauriac a Sartre.Depois da tomada do poder por De Gaulle, em 58, L"Express esteve na primeira linha do antigaullismo, e, em 1964, era já o semanário francês de maior tiragem. "JJSS" aprendeu - ou tentou aprender - com os americanos e, em 67, publicou o livro acima citado, traduzido em quase todas as línguas do mundo e, até essa data, o maior sucesso para uma obra com tais características. Foi com esse Servan Schreiber que me cruzei na América e "toda a gente" dizia que ele seria o sucessor de De Gaulle, tendo contra o facto de ter "apenas" 44 anos.Mas depois o que é que aconteceu? Julgou que conquistaria Bordéus e perdeu. Foi ministro doze dias de um governo Chirac em 74, vendeu o L"Express em 77. Em dez anos, bem à portuguesa, a grande promessa transformou-se na grande desilusão e nem um novo livro (Le Défi Mondial, em 1980) fez falar muito dele.
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