mandarem fazer assim
e eles fazerem assado.
Completam-se hoje (25.10.2020) 59 anos sobre a data da fundação do Coral Luísa Todi, data que este ano não é assinalada com a habitual Sessão Comemorativa, dada a situação que estamos vivendo.
."Em 23 de outubro de 1961, dois setubalenses, a Sr.ª D. Maria Adelaide Rosado Pinto, Diretora da Academia de Música e Belas Artes Luísa Todi e o Sr. Aurélio Lino da Conceição Fernandes, elemento do antigo Orfeão Cetóbriga, encontraram-se mais uma vez na Av. 22 de dezembro, percurso que habitualmente faziam ao fim de cada dia e voltaram a falar da necessidade de se criar de novo um agrupamento polifónico em Setúbal. Entendendo que estava na hora e que não havia que esperar mais, decidiram iniciar contactos, nomeadamente na contratação de um Maestro. No dia 25 de outubro de 1961, depois de contactado o futuro Maestro, Maria Adelaide Rosado Pinto, Aurélio Fernandes e o Prof. Américo Vieira, que fora convidado para dirigir o futuro Coral, reúnem-se na Academia de Música e Belas Artes Luísa Todi. Nesta data e nesta reunião é fundado o Coral Luísa Todi. Na impossibilidade de comemorar a data de outra forma, deixamos aqui as fotos dos seus fundadores."
Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.
.
Alexandre O'Neill
in 'No Reino da Dinamarca'
Um dia, num pequeno hotel do Cairo, conheci um homem
curioso: Lazlo fora muito rico, tinha ainda bastante dinheiro, mas orgulhava-se
de não possuir qualquer bem material valioso, com excepção de um “laptop”.
Contou-me que herdara uma fábrica de artigos de porcelana e que a gerira
durante 15 anos com bastante sucesso. Após um divórcio tumultuoso – a mulher
acusava-o de não ter tempo para se dedicar à família nem aos amigos -, decidiu
vender a fábrica, casas e propriedades, carros, barcos, enfim tudo aquilo que,
nas palavras dele, “pudesse constituir lastro”. Hoje viaja pelo mundo inteiro,
de hotel em hotel, sem outra bagagem a não ser uma pequena pasta de couro com
documentos e um “laptop”. Chega a uma determinada cidade, instala-se num hotel, compra
alguma roupa e produtos de higiene, dois ou três livros, e ao partir oferece a
roupa, os livros, o pouco que tenha adquirido e não caiba dentro da pasta de
couro. Lembrei-me de
Lazlo ao ver “O Lado Selvagem”, filme realizado por Sean Penn. O filme é
baseado na história verídica de Christopher McCandless, um jovem americano que
decidiu partir para o Alasca com o objectivo de abandonar a civilização – e ali
veio a morrer de fome (em pleno verão e a poucos quilómetros de um estrada
movimentada). Porém, ao contrário de Christopher, Lazlo não demonstra afeição
por Thoreau nem, aliás, por nenhuma filosofia política em particular. Não é nem
um socialista utópico, nem um anarquista melancólico em semi coma alcoólico.
Apenas um tipo comum, que decidiu não ter nada, com a mesma força e a mesa determinação
com que outros decidem ter.
Perguntei-lhe se não sente, por vezes, a falta de uma casa.
- Não! – confessou, com certo espanto.
- É como se você tirasse um peixe de um pequeno aquário para o colocar no mar. Acha que ele sente a falta de um aquário?
Assegurou-me que não há nada melhor do que viver num hotel. Lembrou-me o caso de Vladimir Nabokov, que viveu desde 1959 até falecer em 1977, no Hotel Montreux Palace, na
Suiça. Menos luxuosamente, mas mais preguiçosamente, o escritor egípcio Albert
Cossery habita desde 1951 no mesmo quarto do hotel La Louisiane, situado em
pleno coração de Daint-Germain-des-Prés, em
Paris. Retorqui que viver num mesmo quarto de hotel por tanto tempo era o mesmo que fazer desse quarto um verdadeiro lar. Lazlo concordou:
- Exactamente. Além disso, um quarto de hotel é sempre o mesmo quarto, apenas muda a paisagem. O meu lar são todos os hotéis.
Lazlo é uma espécie de vagabundo elegante. Um velho senhor muito bem vestido, muito amável, sempre com um livro na mão. Costumava vê-lo a ler no bar do hotel, ou, mais raramente, a escrever no seu “laptop”. Visitei com ele o Museu do Cairo. Impressionou-me a quantidade de artefactos, animais domésticos, escravos e escravas que o faraó levava consigo na última viagem.
- Esta gente não sabia morrer, comentou.
- Quando eu me for, quero ir ligeiro. Não precisamos de gravata para atravessar o rio. Que maravilha, não acha?! A morte é despojada.
Quanto a mim confesso que simpatizo mais com Lazlo do que com Cristopher McCandless, que queimou o pouco dinheiro que tinha antes de iniciar a sua viagem rumo o norte, e à morte. O melhor é não ter nada, usufruindo de tudo; renunciar à posse, mas jamais ao conforto. Renegar o capitalismo sem todavia comprometer o capital.
Rodrigo Alves Taxa