Morreu ontem, com 82 anos, Jean-Jacques Servan-Schreiber.
Foi um jornalista brilhante, visionário mas um político falhado.
Jean-Jacques Servan-Schreiber, o "Citizen Kane" francês, político falhado e precursor das tecnologias do futuro, morreu na noite de segunda para terça-feira, com uma bronquite. Tinha 82 anos. Os franceses referiam-se a este grande patrão de imprensa pelas suas iniciais, JJSS. Editorialista de política internacional no jornal Le Monde aos 21 anos, piloto de caças aos 24 anos nos Estados Unidos, fundador do semanário francês L"Express aos 29 anos, e autor do best-seller mundial O Desafio Americano aos 43 anos, JJSS foi também deputado e ministro. Mas a sua carreira política não se comparou em nada à marca durável que deixou na imprensa francesa. Nascido em 1924 numa grande família judia francesa, republicana, intelectual e humanista, Jean-Jacques Servan-Schreiber mergulhou na imprensa desde a infância: o pai, Emile, foi o fundador do diário económico Les Echos, ainda hoje um dos títulos mais prestigiados em França. Sempre apressado, sedutor e estudante brilhante, o jovem JJSS terá um encontro determinante na sua vida com o socialista Pierre Mendès-France. Um encontro que lhe inspirou a criação do L"Express em 1953, juntamente com a jornalista, e sua companheira, François Giroud. Este semanário, moldado segundo a revista americana Time, será o primeiro news magazine francês e servirá de laboratório às ideias de JJSS.O L"Express é sem dúvida paradigmático da geração francesa do pós-guerra, que nunca desmentiu um certo gosto pelos combates difíceis mas eticamente correctos, e uma capacidade de revolta contra o que é previsível e normativo. O magazine esteve envolvido em todos os combates políticos desse período. Combateu o recurso à tortura na guerra da Argélia, defendeu a descolonização, criticou o totalitarismo da União Soviética e atraiu os grandes escritores do seu tempo - Albert Camus, Jean-Paul Sartre, François Mauriac, Raymond Aron.
in "Público" by Ana Pedro Navarro
Jean-Jacques Servan-Schreiber. em 1970
Num apontamento escrito em 1970, Manuel Maria Múrias, um jornalista que ultrapassava muito pela direita as ideias do Marcelismo, com a língua viperina que o caracterizava, como "ultra", referia-se a JJSS deste modo desabrido:
"O conservador — conserva. Não se dirá o mesmo, agora, do homem da direita que, num mundo inteiramente dominado pela esquerda, se rebela violentamente contra a conservação da ordem social estabelecida, já muito mais próximo do romantismo de Kroptkine que do computativismo ricalhaço e amaricado de Jean Jacques Servan-Schreiber."
Texto assinado pelo Manuel Maria Múrias e que viu a luz na "Política", n.º 18, de 15 de Setembro de 1970
- Jean-Jacques Servan-Schreiber era um sedutor.
Os seus casamentos e ligações de foram de notoriedade pública, como a que teve com a jornalista e co-fundadora do L"Express, Françoise Giroud.
A jornalista Catherine Nay, que começou a sua carreira naquela revista, conta que um dia ousou perguntar a Françoise Giroud o que seduzia tanto as mulheres naquele homem:
"Ele ilumina sempre a nossa melhor faceta", foi a resposta, poética, de uma mulher que tentara suicidar-se anos antes por ocasião da sua ruptura com Servan-Schreiber.
- Para o biógrafo Jean Bothorel, JJSS teve um único amor - a sua mãe Denise, que foi sempre chamada "Madame Emile" (Emile era o nome de baptismo do seu marido, e pai de Jean-Jacques).
"Madame Emile" punha o filho Jean-Jacques nos píncaros da lua. Para esta senhora da alta sociedade, o filho mais velho era oitava maravilha do mundo, que seria um dia Presidente da República. Tudo em casa rodava em torno dele:
"Se havia um bolo para o jantar, a mãe cortava metade para Jean-Jacques, e dava a outra metade aos quatro filhos restantes", conta a jornalista Catherine Nay.
- De tão amimado em casa, JJSS acabou por formar uma alta opinião de si mesmo, como conta Jacques Duquesne, jornalista e escritor que trabalhou no semanário L"Express:
"JJSS teve de imediato um grande fraco pelas suas próprias temeridades. Tinha a arte de se pôr em cena, estava sempre maravilhado de ser quem era, tinha certeza de ajudar a fazer a História do mundo".
in "Público" by Ana Navarro Pedro
Nota à margem
2003-01-20
"A jornalista e escritora francesa Françoise Giroud morreu este domingo, aos 86 anos, no Hospital Americano de Neuilly, na Região de Paris, na sequência de um traumatismo craniano originado por uma queda. Giroud foi redactora-chefe da revista feminina «Elle» antes fundar, com Jean-Jacques Servan-Schreiber, a revista semanal «L'Express», em 1953"
1 comentário:
Servan-Schreiber esteve no Brasil, em dezembro de 1985, ministrando palestras em São Paulo, Recife, Salvador e Brasília, como convidado pela Rhodia e Exame, no encontro "Ano 2000 - O Desafio Brasileiro".
À época, concedeu à Revista Exame, de 25/12/1985, entrevista com o título: ANO 2000 - 0 DESAFIO BRASILEIRO, na qual discorre sobre as oportunidades que Brasil teria se investisse pesadamente no aproveitamento dos recursos informatizados, não somente na educação do jovens, mas também na formação do adultos.
* Excerto da entrevista:
"...O verdadeiro problema são os milhões de jovens que vocês formam ou deixam de formar todos os anos. Os projetos espetaculares como Carajás e Itaipú não terão valor a não ser que os jovens sejam primeiramente educados e os homens formados. Eu não falo somente da educação escolar, mas da educação permanente, que não pára, e que é exatamente a que permite a revolução científica que estamos vivendo. ...."
Tem razão, Servan-Schreiber, ao se referir à formação, além da educação, que ao meu ver supera a noção de especialização, que se aproxima muito mais do conceito de adestramento, para alcançar uma essência próxima à lapidação humana, na qual o que mais se aproxima é o conceito configurado no termo alemão "Bildung".
O investimento mais rentável é o que se destina ao ser humano, que deve ser a razão de ser de tudo. Somente assim construiremos uma grande nação.
Aurelino Santos Jr.
Belém-Pará Brasil
aurelino.jr@gmail.com
P.S. Parabéns pelo BLOG
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