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23 abril 2009

João Aguiar e os "perdigogos"...

Num artigo publicado em Março/2009, a que deu o tìtulo de "Perdigogos", João Aguiar inicia o seu escrito com esta frase em Sub-título:
"Sei que a memória é uma ferramenta que se enferruja sem uso, como sei que um indivíduo sem memória é pouco mais do que um legume."
Uma frase lapidar...
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"Perdigogos"
"A etimologia da palavra é clara, vem de "perdigoto", no sentido de saliva projectada da boca durante a fala, e de "pedagogo", que significa... no fundo, será que ainda significa alguma coisa?

João Aguiar

João Aguiar licenciou-se em Jornalismo pela Universidade Livre de Bruxelas,tendo trabalhado nos centros de turismo de Portugal em Bruxelas e Amesterdão. Regressou a Portugal em 1976, para se dedicar numa primeira fase ao jornalismo.
Trabalhou para a RTP (onde iniciou a sua carreira em 1963) e para diversos diários e semanários como: Diário de Notícias, A Luta, Diário Popular, O País e Sábado. Em 1981, foi nomeado assessor de imprensa do então Ministro da Qualidade de Vida. Colabora regularmente na revista Superinteressante.

Deixo aqui alguns excertos do Artigo publicado no último número da revista "Superinteressante":
"Antes do mais, antes de entrar no assunto desta crónica, eu devo, por imperativos patrióticos e de justiça, fazer uma denúncia grave, que é esta: a minha porteira é um dos cérebros da Campanha Negra que, nesta data em que escrevo, se encontra em curso visando sabotar o Governo usando como pretexto o caso Freeport. Sei isto porque, há uns dias, ouvi-a dizer à senhora do 6ºE: “O que acontece é que são todos uns desavergonhados e além disso estão todos nas mãos dos ricaços!”
(...)
"Certas actividades escolares, como as cópias e os ditados, são considerados “pouco motivadores e pouco inovadores”. Que sejam, apesar disso, o meio mais seguro para levar os jovens a terem uma caligrafia decente e legível e a saberem escrever sem erros, isso não tem importância. As coisas têm de ser inovadoras – e divertidas, como apontava, recentemente, Alice Vieira. A gente vai à escola para encher o bandulho de riso. Tenho a certeza de vir a ler num futuro Plano Nacional do ensino: “O docente empenhar-se-á em manter a turma alegre e risonha durante toda a aula. Sugere-se que se faça um strip-tease parcial ou total, como forma de manter a atenção dos alunos”.
Exagero? Lá chegaremos, descansem.
(...)
Por outro lado, convém não obrigar o pessoal a decorar coisas; não interessam os conteúdos, interessam as competências, Ora, para muitos perdigogos, a competência é independente do conhecimento dos conteúdoso que explica muita coisa sobre os governantes que se têm sucedido em Portugal nos últimos quinze ou vinte anos e também sobre a actual senhora ministra da Educação y sus muchachos, perdão secretários de Estado.
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Voltando a Alice Vieira: ela contou recentemente, em entrevista (e já mo tinha contado antes), que escreveu o seu primeiro romance juvenil para a faixa etária dos onze, doze anos – e que hoje esse mesmo livro só é entendido pelo pessoal dos quinze, dezasseis ou dezassete.
Suspeito que isto seja fruto das competências sem conteúdos Das técnicas divertidas. Do cuidado em evitar que os jovens treinem a memória. Dos perdigogos, enfim.
(...)
E vem-me à memória uma conversa com o Prof. Agostinho da Silva: dizia-me ele que, nas escolas, valia tudo: riscar, vandalizar, partir uma vidraça, valia tudo e ninguém fazia nada. E depois, para minha surpresa e delícia, acrescentou: “Isto é bom, sabe você? Porque assim vão ter de fechar as escolas; e, da maneira como a educação está, é isso que é preciso: fechar tudo e começar de novo, de raiz…”. .
Quando tivemos esta conversa, o dito era ainda uma meia piada. Hoje, passados já uns quantos anos, começo a perguntar-me se não teria mesmo razão. Fechar tudo, começar de novo.

O Prof. Agostinho da Silva

Cfr."Superinteressante" - Março/2009

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