Páginas

28 dezembro 2006

Zé Matos 2

Resposta a uma Carta Confidencial


A César o que é de César, meu caro Zé Matos!


Aos parabéns que já te dei quero agora acrescentar todos os outros que, indevidamente, a mim vieram parar.

Aqui tos entrego todos inteirinhos, que bem os mereces, e só a ti são devidos.

A tua “carta confidencial” foi um tanto anunciada. Já a esperava quando apareceu, e li-a com mais interesse, por isso.

E sabes uma coisa, amigo Matos? A tua “confidência” fez-me pensar.

Como fazem pensar aliás todas as coisas inteligentes que se dizem com um ar sério e umas palavras simples.

Fizeste-me pensar em muitas coisas e também naquela escola que ao longo de tantos anos, tanto nos habitámos a amar.

E fiquei menos descrente…

É verdade, homem! Eu começava a não acreditar na realidade de certos princípios. E se é verdade que sinto um certo alento, não posso esquecer no entanto que, por isto ou por aquilo, és ainda rara excepção no panorama genérico daquela escola. melhor diria, no panorama genérico daquele tipo de escolas.

Os problemas que te afligem, meu caro Zé Matos, são problemas que afligiram a juventude de sempre. Só que a tua juventude é mais forte e tem razões para ser mais consciente e mais esclarecida.

E quando pudermos considerar toda a juventude (nota bem que digo toda a juventude) não só “uma idade mas uma relação actuante com o mundo”, quando houver em nós “uma clara consciência dos factos que nos dizem respeito, quando deixarmos de contestar por contestar…” então meu amigo, ter-se-á dado um enorme passo, na transformação que todos desejamos.

O mundo à nossa volta passará a ser melhor”

As pessoas que conhecemos serão então mais pessoas e na face da lua nada faltará também.

E já não haverá meninos transviados com bicicletas a motor.

E já não haverá meninos a motor com bicicletas transviadas.

E já não haverá filhos irreflectidos que pratiquem actos temerosos

E já não haverá Pais Temerosos das acções irreflectidas dos seus filhos.


Provavelmente nem já usaremos Pais!...

Teremos chegado ao mundo utópico de Huxley, esse Admirável Mundo Novo, gerado em provetas, com embriões Delta Bokanovskisados, condicionados para os mais diversos trabalhos, superiormente dirigidos por Alfas e Betas de superior inteligência, e onde até “os Epsilões, no fundo nem se importarão de ser Epsilões”…

Creio que estávamos falando da nossa Juventude e da Escola que tanto nos habituámos a amar.

Essa escola onde persiste a poesia enquanto persistir um Carlos Jorge cheio de juvenil entusiasmo. Essa Escola onde persiste o diálogo enquanto persistirem uns quantos cheios de interesse, pelos problemas que deviam ser dos Homens.

Por que não hás-de tu falar em poesia, Zé Matos?

E por que hás-de temer que te ouçam falar às avezinhas, se te ouvirem também falar em “homens caídos no passeio”…

Dizem que a única maneira de aprender é discutir. Pois estaremos de acordo, mas só na medida em que discutir é dialogar…

Terás tido grandes diálogos nestes últimos sete anos, caro Zé Matos? E, no entanto, constituis um magnífico exemplo do diálogo constante que devia ser a Escola que ambos frequentámos, e tanto nos habituámos a amar…

Tenho, cada vez mais, receio que se aproxime rapidamente o tempo em que
. “…era grande e negra e oca a boca do senhor da barba preta,”
ou até acabem os senhores de barba preta…


E passaremos então a ser condicionados por uma Alfa qualquer, predestinada, inteligente, estéril, mas muito, muito, muito pneumática…

Continua, meu caro Zé Matos, e não queiras pisar os caminhos da facilidade que deixam fama mas a nada conduzem.

As amostras que já nos deste são bem uma esperança na confirmação da escolha que já deves ter feito.

Luta por ela com honestidade e defende até à última as ideias em que acreditas.

Com um abraço amigo
João José Mendes de Matos

Sem comentários: