A Carta de Manuel de Portugal foi devolvida por "não ser conhecido o destinatário"...
Como nunca tinha posto a hipótese de poder haver uma resposta à carta que lhe enviara uns dias antes, não puz o meu Pai de sobreaviso e foi ele mesmo quem a devolveu ao carteiro! Quando, umas semanas mais tarde, estive em Castelo Branco e contei o que se estava a passar, o meu Pai recordou-se da devolução de uma a carta dirigida a um tal João de Castelo Branco... que não morava ali nem ali era conhecido...
Nesse mesmo momento iniciei a etapa de recuperação dessa preciosidade.
Passei horas... passei dias a caminho de Lisboa... a caminho de Santa Marta... a caminho do Refugo onde iam parar todas as devoluções de cartas não entregues, com ou sem remetente.
Não podem imaginar a quantidade de maços de cartas que permaneciam amontoadas naquela repartição dos CTT, à espera de uma provável destruição!
Não fazem ideia do número de cartas que me passou pelas mãos e pelas mãos da funcionária que teve e gentileza de me facilitar a pesquisa!
Mas valeu a pena todo aquele tempo que eu "perdi" no Refugo de Santa Marta...
Os meus olhos "brilharam e riram alto" quando deparei com o seguinte endereço:
É a letra do meu Pai a que se lê em cima, em oblíquo...
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Reproduzo em seguida as duas páginas da Carta, seguidas da "tradução" em letra de forma, em que Manuel de Portugal responde a uma outra que lhe enderecei e que publiquei aqui em Outubro de 2006.
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A primeira página:
A segunda página:
E agora uma "tradução legível...
"Figueiró dos Vinhos 3/Maio/76
Exmo SenhorJoão de C.Branco
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Por via de pequeno incómodo cardíaco, filho dos muitos anos e agruras da vida, me desterrou o médico à Província, recomendando-me repouso e interditando-me formalmente de guiar. Esse é o motivo por que estando aqui tão perto de Castelo Branco me não desloco, incógnito, à Av.28 de Maio 109 - 4ºdt., em Castelo Branco, para ter o prazer de contactar com o autor de tão interessante missiva cujo estilo original emprega, pela primeira vez, ao que conheço, o humor... bíblico. Não pode a minha real modéstia permitir dois erros: o primeiro que me compare ao Apóstolo Pedro, na negação da Verdade; o segundo que me confunda com alguém que suponho das suas relações. Alude V.Exª a um tal Emílio e um outro Ramiro que não são pessoas das minhas relações. E a factos, que ignoro, passados na Avª 5 de Outubro. Qualquer confusão... Já vários jornais me têm identificado, ora com este, ora com aquele, já fui um grupo, já fui uma equipa. Desmentem uns, calam-se outros. O mistério continua. Onde não há mistério. Sou apenas um pobre caixeiro-viajante duma fábrica da cintura industrial de Lisboa. Se me quiser dar mais categoria, digamos como os rapazes de agora, sou inspector de vendas, promotor comercial ou public-relations. Por não acreditar muito nas minhas possibilidades comecei com um pseudónimo. O mesmo fizeram Voltaire, Júlio Diniz, Miguel Torga, José Régio, Pessoa, etc. Apenas. Só. Para ter sossego, por já não ser novo, para andar no nosso PORTUGAL, à vontade, falando e conversando sem barreiras mentais.
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Mais se refere à minha crónica "Os Párias" e a certos elementos sobre Ramalho -- suponho que Eanes? Não somos amigos comuns desse personagem, porque, infelizmente, não tenho essa honra. Mas os elementos que utilizei na crónica e no livro, os colhi aqui na região beirã onde agora volto a estar, em Castelo Branco junto da Família Grilo, junto dos Patolas, em Vale de Prazeres, junto da Família Limão e de um Manuel Castelo Branco que, possivelmente, será da sua Família. Tudo o que escrevi é do conhecimento geral aqui na Beira. Não há mistério como vê, pois até lhe cito as minhas fontes de informação o que, por Lei da Imprensa, os jornalistas não são obrigados a fazer...
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Há, também, qualquer confusão quanto às matérias de Antropologia e Grafologia que me diz conhecer. Sou leigo, em tais domínios. Mas lembro-lhe que, os Homens e as Letras se agrupam em grandes linhas mestras comuns. Como os temperamentos. Como as idiossincrasias. É muito provável ter algum documento com letra muito semelhante à minha. Mas estou tão à vontade de não conhecer V.Exª que até lhe escrevo por punho próprio, quando podia utilizar a máquina de escrever que tenho aqui a meu lado. Como vê nem sequer temo exames periciais...
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Não quero acabar sem um grande obrigado pela carta tão gentil que V.Exª me endossou. Desculpe-me só hoje vir agradecer, mas a correspondência dos meus leitores só a recebo por junto de 15 em 15 dias. E como, por causa do livro, recebi no último pacote quase 500 cartas, tem sido uma luta para pôr a correspondência em dia. Por outro lado, as forças não são muitas e creio que um dos medicamentos me provoca uma certa sonolência ou apatia. Por aqui estarei até ao meio do mês de Maio. Pode ser que calhe dar um salto a Castelo Branco. Não sei. Depende de quem me vier buscar.Julgo que V.Exª é agora deputado pelo CDS. Queira receber os meus parabéns. Vamos continuar a lutar por um PORTUGAL Maior e Melhor. Muito ainda há a fazer.Disponha V.Exª deste seu grato personagem, mesmo sem saber quem, na realidade e em verdade ele é. Há contudo uma grande diferença. Pedro negava o Divino Mestre. Eu só me nego a mim mesmo. O que é, ao que julgo, o meu direito.Por tudo receba a minha gratidão. E os meus parabéns invejosos por viver nesta Beira abençoada que é um regalo para os olhos. Parece-me que já aqui vivo há anos quando só poucos dias aqui vivi.Cumprimenta-o com amizade o Manuel de PORTUGAL
P.S. Acabei esta carta num pinhal maravilhoso, com uma vista extraordinariamente bela no alto da Barragem do Cabril. Minha sobrinha veio-me visitar e ante o dia soalheiro e calmo decidiu levar-me a ver esta jóia da região. Não queria deixar de lhe gabar o seu distrito que tanto apreciei porque sou, no coração e na alma, um serrano sequioso de verde e de céu azulado. Bem-haja (como aqui se diz) pela sua boa atenção de me ter escrito.
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Manuel de PORTUGAL "
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Quase dois anos mais tarde, Henrique Penha Coutinho continuava a fazer parte da CNAP, ou seja, da Confederação Nacional das Associações de Pais. Foi num Congresso da Federação realizado na Reitoria da Universidade em Lisboa, em 25 de Fevereiro de 1978 que obtive a fotografia que apresento a seguir.
Henrique Penha Coutinho
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