no "Jornal de Negócios" - Última parte
Nuno Garoupa
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3) Num país normal, governado por gente normal, não se utilizam estatísticas falsas para fazer reformas no mapa judiciário. Mas Portugal não é um país normal, nem tem um Governo de gente normal. Tomam-se decisões, gerem-se os tribunais, interfere-se com a independência do poder judicial com base em informação objectivamente falsa. Ninguém sabe quem criou e espalhou essa informação objectivamente falsa. E mesmo depois de saber-se que essa informação é objectivamente falsa, nada acontece. Em política o que parece é. Pois parece que o Ministério da Justiça decidiu abrir a caça aos juízes complicados para o Governo. Claro que os erros com estatísticas falsas podem ser meramente incompetência e laxismo (coisa a que já estamos habituados em Portugal e que sabemos não tem consequências políticas; a culpa morrerá solteira). Mas insistir numa reforma do mapa judiciário (em particular, no Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa) com base em estatísticas falsas e leituras políticas complicadas não tem nenhuma explicação possível que não seja o que parece é.
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4) De manhã, eles são contra a direita neoliberal, protegem os mais desfavorecidos, falam de justiça social, apresentam-se como os defensores intransigentes do Estado social, combatem os paraísos fiscais. À tarde, eles acham normal que uma empresa possa ganhar 10.000 milhões de euros com um só empregado, não pagar um euro de impostos, tudo em nome de um investimento estrangeiro que não cria nenhuma mais valia económica. Eles são os socialistas. A empresa é a ExxonMobil Spain. A estrutura financeira é conhecida como ETVE ("entidad de tenencia de valores extranjeros"). Tudo absolutamente legal. Com este socialismo, quem precisa de neoliberalismo?
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Nuno Garoupa
Professor de Direito da University of Illinois
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