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27 janeiro 2007

A vida comove - As Cegonhas

As Cegonhas a que a Ana Rita se refere são aquelas que no seu tempo traziam de Paris os meninos que iam nascer……
… e ela termina o seu apontamento desta semana com a frase: “Há muito desapareceram as cegonhas".

Ana Rita Calqueiro

Com a devida vénia permito-me transcrever algumas partes significativas de um artigo de opinião, que li na "Reconquista" do dia 25 de Janeiro, da autoria da jovem advogada albicastrense Ana Rita Calmeiro.

"A vida comove
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As Cegonhas
Pensava no assunto quando reparei em duas cegonhas brancas sobrevoando a cidade.Dois traços brancos, abertos, no céu muito azul. Braços abertos que planavam indiferentes a mim e ao semáforo que me retinha. Não reprimi um sorriso, recordei a ideia da origem parisiense de todas as criaturas, trazidas até aos seus lares por majestosas cegonhas sempre bem-vindas.

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Mas realidade não é uma fábula e o meu sorriso perdeu-se nesse pensamento cru que nos propõem ao voto de consciência. Pedem-me que decida quem deve viver e quem não deve? Pedem-me que decida que vidas merecem ser vividas? Falam-me em semanas, como se isso fosse grande critério, como se ser-se pequenino fosse ser-se pouca coisa, um nada a fingir que vive e vai ser gente. A pergunta repugna-me, insulta-me, tão cheia de interesses mesquinhos, tão negra, tão absurda.
(…)

Pergunta-se: pode interromper-se uma gravidez até às dez semanas (eufemismo para: pode matar-se uma pessoa até às dez semanas de vida)? E a sociedade pensa, pondera, avalia, resposta difícil, por um lado a mulher, coitadinha, a mulher e o seu corpo, por outro lado o embrião, um ser que se gera, Vida, crime ou não, que difícil.A sociedade demora-se nesta dúvida colossal entre os interesses e os valores, patética, num reflexo do egoísmo contemporâneo que tudo submete à vontade e à vaidade, desculpabilizando o aborto quando a Vida é inconveniente.

(…) A liberalização do aborto até às dez semanas seria um retrocesso civilizacional, um retorno à ideia de que certas vidas valem mais do que outras ou de que certas vidas existem para servir os interesses e conveniências de outras…,

(…) Abortar é impedir uma pessoa de nascer, é a cobardia de matar um ser humano indefeso, demasiado confiante no ventre da mulher que o hospeda. Dizem-me que a sociedade não está preparada para acolher, amparar e integrar os bebés não desejados. Também o não está para assegurar o emprego dos jovens e o descanso dos velhos no seio da família; também o não está para tirar os mendigos da rua; também o não está para garantir cuidados de saúde eficazes a todos os doentes; também o não está para prevenir ou reparar todas as injustiças - e agora? Referendamos a vida destas pessoas, olhos nos olhos, decidindo quem tem condições (...)para merecer viver? Cruzamos os braços? Olhos nos olhos é mais difícil votar a favor da morte de alguém. A vida comove (...) Se o referendo se fizesse olhos nos olhos tenho a certeza de que o Não venceria.
(...)
Parece fácil votar sim, demasiado fácil. Parece fácil esquecer que aquele pequeno Ser é nosso igual e não deve ser apenas o preço a pagar pelos erros de cálculo dos que o conceberam. Eu não esqueço. Não gosto do que é fácil. Vou votar Não e quero erguer bem alto as minhas mãos limpas. Há muito desapareceram as cegonhas.

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