15 de Agosto de 1938 / 19 de Janeiro de 2007
Fiamma Hasse Pais Brandão Público Digital
Chamou-me a atenção o nome pouco comum da autora.
Entre 1954 e 1956, talvez mais tarde, o Diário Popular, - que líamos à tardinha depois das aulas, por entre uns “abatanados” clarinhos e uns bolos de arroz na Pastelaria Cister, em frente da Faculdade de Ciências, na Politécnica -, publicava na penúltima página um pequeno conto de autor variável… Curto como convinha a quem tinha pouco tempo para perder.
Uma tarde dessas dei comigo a ler um conto de uma autora cujo nome achei esquisito: Fiamma Hasse Pais Brandão.
Fiamma faleceu ao princípio da noite da última sexta-feira, dia 19 de Janeiro.
Dela escreveu ontem no Público, Alexandra Lucas Coelho:
“Serena, mas com a fúria de uma Ana Magnani ou da padeira de Aljubarrota. Inscrevia-se num "poema ininterrupto" desde a Idade Média. Tinha um conhecimento raro do que a precedia. É uma das vozes mais plenas e radicais da poesia portuguesa do século XX”
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“Mas o que há neste nome disse-o Eduardo Lourenço. Se a poesia é "a palavra infinita" que alude à matéria "sem jamais a poder colher", "a de Fiama, como um milagre, é a rosa mesma da realidade como uma chama" - "A que o seu nome mágico a predestinava."
“Mas o que há neste nome disse-o Eduardo Lourenço. Se a poesia é "a palavra infinita" que alude à matéria "sem jamais a poder colher", "a de Fiama, como um milagre, é a rosa mesma da realidade como uma chama" - "A que o seu nome mágico a predestinava."
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Nascida a 15 de Agosto de 1938, Fiama Hasse Pais Brandão, uma das vozes mais plenas e radicais da poesia portuguesa do século XX, também dramaturga, ficcionista, ensaísta e tradutora, morreu ao princípio da noite de sexta-feira numa casa de repouso-clínica em Algés. Tinha a doença de Parkinson, acelerada por uma fractura há seis anos. Nos últimos tempos já não comunicava.”
A Obra Breve de Fiama termina em Agosto de 2000 junto ao mar do Algarve, com estes versos:
"Hoje,
meu dia, o coração e o dia rejubilam."
meu dia, o coração e o dia rejubilam."
(provavelmente no dia em que fez anos...)
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Foi no último Verão de praia, ao lado de Gastão Cruz, poeta, ensaísta, primeiro marido, pai dos seus dois filhos e cúmplice até ao fim.
Conheceram-se na Faculdade de Letras de Lisboa no fim dos anos 50.
Foi no último Verão de praia, ao lado de Gastão Cruz, poeta, ensaísta, primeiro marido, pai dos seus dois filhos e cúmplice até ao fim.
Conheceram-se na Faculdade de Letras de Lisboa no fim dos anos 50.
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(…) Ela andara na St. Julliard School, onde Paula Rego foi uma das suas primeiras amigas. Havia sido uma brilhante aluna de liceu, de ganhar prémios nacionais.
(…) Ela andara na St. Julliard School, onde Paula Rego foi uma das suas primeiras amigas. Havia sido uma brilhante aluna de liceu, de ganhar prémios nacionais.
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Na faculdade (que nunca chegou a acabar), opta por Germânicas. A aventura poética começa em partilha. Publica o seu primeiro livro, Morfismos, na colectânea Poesia 61, que inclui Luiza Neto Jorge, Casimiro de Brito, Maria Teresa Horta e Gastão Cruz.
Na faculdade (que nunca chegou a acabar), opta por Germânicas. A aventura poética começa em partilha. Publica o seu primeiro livro, Morfismos, na colectânea Poesia 61, que inclui Luiza Neto Jorge, Casimiro de Brito, Maria Teresa Horta e Gastão Cruz.
(…)
O ano seguinte é das greves estudantis, com centenas de estudantes presos, incluindo a serena Fiama. Serena mas segura, recorda Veiga Ferreira: "Uma PIDE chamada Madalena despejou-lhe a mala e ela disse-lhe: "Agora volte a pôr tudo lá dentro." Impunha a autoridade de uma forma veemente."E irritava-se", "um verbo que lhe vai bem", diz Jorge Silva Melo, que a conheceu anos depois. "Uma vez fui agredido por um colega no átrio da faculdade e ela veio desembestada, queria bater-lhe". Tinha aquele ar de senhora frágil, simbolista do fim do século XIX, mas era uma mulher de armas.
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DOIS POEMAS
O ano seguinte é das greves estudantis, com centenas de estudantes presos, incluindo a serena Fiama. Serena mas segura, recorda Veiga Ferreira: "Uma PIDE chamada Madalena despejou-lhe a mala e ela disse-lhe: "Agora volte a pôr tudo lá dentro." Impunha a autoridade de uma forma veemente."E irritava-se", "um verbo que lhe vai bem", diz Jorge Silva Melo, que a conheceu anos depois. "Uma vez fui agredido por um colega no átrio da faculdade e ela veio desembestada, queria bater-lhe". Tinha aquele ar de senhora frágil, simbolista do fim do século XIX, mas era uma mulher de armas.
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DOIS POEMAS
Natureza morta com louvadeus
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Foi o último hóspede a sentar-se
o topo da mesa, já depois do martírio.
As asas magníficas haviam-lhe sido quebradas
por algum vento. Perdera o rumo
sobre a película cintilante de água
no riacho parado. Tal como poisou
junto de nós, com o belo corpo magro
arquejante, lembrava, ainda segundo o seu nome,
um santo mártir. Enquanto meditávamos,
a morte sobreveio, e a pequena criatura,
que viera partilhar a nossa mesa,
depois de ter sido banida das águas
foi banida da terra. Alguém pegou
no volúvel alado corpo morto
abandonado sem nexo na brancura da toalha
- que maculava -
e o atirou para qualquer arbusto raro
que o poeta ainda pôde fotografar.
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Fiama Hasse Pais Brandão,
em Três Rostos, 1989
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Os grous?
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As viagens separam-nos do passado.
Se apenas viajássemos como grous,
sem reconhecer as nações debaixo da quilha do nosso esterno,
se não trocássemos os idiomas e as unhas
com os habitantes das novas geografias,
seríamos nós. Porque o idioma
é fechado e insondável em cada criatura,
porque cada nação é o berço de uma língua
e os meus poemas noutra língua não são meus.
Quando viajamos no mundo não sabemos quem fomos.
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Fiama Hasse Pais Brandão,
em Cenas Vivas, 2000
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(apontamentos retirados de Alexandra Lucas Coelho,
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(apontamentos retirados de Alexandra Lucas Coelho,
na edição digital do “Público” de 21.01.2007
que ontem não chegou a Setúbal…
Teria havido alguma “bronca”?!...)
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