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17 dezembro 2010

Mário Brandão...

Acabei de ler há uns dias, "O Anjo Branco", do José Rodrigues dos Santos. Embora considere não ser "o seu melhor livro", gostei de o ler. Até porque, pontualmente, recordei a época e alguns dos sítios que o autor ali revela.
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Começando pelo fim ( na pág.677), já numa "Nota final" li algo que me agradou particularmente:
"Devo agradecimentos a um conjunto de pessoas que se disponibilizaram para me ajudar na reconstituição dos factos e sobretudo do espírito daquele tempo.
(...) Obrigado à minha mãe, Maria Manuela Matos; à minha tia Rosalina Rodrigues dos Santos; ao meu tio coronel Mário Rodrigues dos Santos - todos pelas narrativas de família que serviram de inspiração a este romance."
in. "Nota final" do livro "O Anjo Branco"
de José Rodrigues dos Santos.
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O Coronel Mário Rodrigues dos Santos, o Mário Brandão (como era conhecido entre nós, os "residentes" no lar da JUC, da Cedofeita, em 1956/58), é irmão do Zé da Paz, a figura central do romance "O Anjo Branco", com o nome fictício de José Branco.
Desde então, nunca mais soube do Mário Brandão... nunca mais o vi!
E como gostaria de voltar a vê-lo...
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Já dentro do texto do romance, a páginas 135, vejo referências à casa onde vivi os dois anos que passei na Cidade Invicta:
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"Por especial insistência da mãe, que se informara junto do pároco do Sameiro sobre o local mais recomendável para acolher o seu menino. instalou-se na Juventude Universitária Católica, uma residência de estudantes em plena Rua de Cedofeita. Todas as manhãs quando a luz despontava no limiar dos telhados e a cidade despertava para um novo dia, José vestia invariavelmente a capa e batina negras e abalava para a faculdade, situada para os lados do Hospital de Santo António."
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Com o meu irmão Olímpio, partilhei com o Màrio Brandão, durante aqueles dois anos lectivos. o mesmo quarto no último piso daquele casarão, na rua da Cedofeita, situado no enfiamento da rua da Torrinha.
Guardo dele apenas uma fotografia, (melhor dizendo, o meu irmão guardou...) que mostra bem como era "aquela" juventude descuidada, de então.
Empoleirados no telhadinho situado ao nível da janela do nosso quarto, "esquecíamos" que, ali mesmo à beira, se iniciava um "desnível" equivalente a quatro pisos de "pé direito" antigo... ou seja, a uns 13 ou 14 metros do passeio que ficava lá mais abaixo...

O Mário Brandão (Rodrigues dos Santos), de óculos
está enquadrado pelo Olímpio e por mim.
Esta foto deve ter sido tirada em Abril ou Maio de 1957.
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O enquadramento desta fotografia teria sido obtido a partir da janela do quarto ao lado do nosso e tudo leva a crer que o seu executante teria sido um dos seus residente: ou o José da Paz ou o Rocha Reis, com a curiosidade de recordarmos que, uns anos mais tarde, era o Dr.Rocha Reis quem chefiava a equipa do Banco no Hospital de Santo António, quando ali chegou, em muito mau estado, o primeiro Ministro Almirante Pinheiro de Azevedo, que se sentiu mal numa "tournée" política, aquando da sua candidatura à Presidência da República, em 1976.(?)
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Da mesma época, mais umas fotografias:

Em Engenharia tinha de estudar-se a sério
O Olímpio aproveita a luz da clarabóia que se situava
por cima da janela.
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O nosso quarto. As camas e as secretárias de estudo...
Reparem nas paredes... O teto também assim estava!...
Cheio de páginas de "O Amigo da Onça" que a revista brasileira "O Cruzeiro" publicava naquela época e que o Mário Brandão se encarregava de colar nas mais variadas posições.
O quarto parecia um local de "romarias"... e era de rir só de ver as posições caricatas que os "visitantes" tinham de tomar, para uma leitura eficaz... olhando para o teto.

O Amigo da Onça é um personagem criado por Péricles (Andrade Maranhão)e publicado pela primeira vez na revista O Cruzeiro, em Outubro de 1943.

O que se via da janela do nosso quarto...
A rua da Torrinha, com o Colégio Liverpool à esquerda e,
lá mais ao fundo, no outro lado da rua, a casa da mãe da Zezinha Pereira de Castelo Branco que também estudava na Faculdade de Farmácia.

A meio desta rua, voltando para a direita, começa a
rua Anibal Cunha, onde ficava a Faculdade de Farmácia.

Era nesta Faculdade que estudava "Mimicas", a bem-amada do "José Branco"...
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Um pouco mais adiante, na pág.145, pode ler-se:
"Ludovina apercebeu-se desse olhar inquieto e voltou-se, fazendo sinal à sua acompanhante de que se aproximasse.
"Vocês já conhecem aqui a minha amiga?", perguntou. "É uma colega de Farmácia."
A rapariga sorriu e acenou na direcção do par de namorados.
"Olá", saudou. "Sou a Mariana. Mas lá em Cabo Verde todos..."
José arregalou os olhos, identificando-a por fim.
"...me coisam por..."
"Mimicas?!"
A rapariga desviou para ele o olhar...
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O encontro com a antiga paixoneta de infância despertou em José uma avalancha de lembranças..."
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E mais à frente (na pág. 148):
"A rapariga sorriu perante a referência implícita aos passeios que ambos davam em Penafiel, depois da missa no Sameiro; era um facto que todas as conversas da sua infância haviam decorrido da igreja até casa.
"Portanto", observou ela, "parece que estamos de volta aos bons velhos tempos."
"Ora nem mais!", exclamou ele com evidente agrado por Mimicas nada ter esquecido.
"Onde vives?"
"No coiso."
"Onde?"
"Ai... na Boavista."
"Tens lá casa?"
Ela soltou uma gargalhada.
"Uma casa na Boavista? Isso queria eu!" Abanou a cabeça.
"Não, estou na casa das Doroteias (na época ninguém dizia "casa das Doroteias", mas sim "Lar das Doroteias"). É um lar para rapariga ali no Largo da Paz, mas está-se lá muito bem."
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Já no capítulo XV, voltam ao tema do Lar do Largo da Paz:
"Oh, não me digas que estás abandonada! Não te apoquentes, eu faço-te companhia até à Doroteias."
(...)
O facto é que os giros dos dois da Faculdade até à Praça da Paz (nunca assim foi designada! Sempre foi o Largo da Paz...), onde se situava o lar, eram sempre animados."
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Por esta altura era eu um "frequentador assíduo da Faculdade de Farmácia" e do trajecto que o "José Branco e a Mimicas" aqui referem... Centenas de vezes fiz esse trajecto, muitas das quais com passagem pelo Café Diu... Nunca por ali vi o Zé da Paz! Com quem estava diariamente no Lar da Juc, na Cedofeita...
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Entre as alunas do Lar das Doroteias nenhuma Mimicas ali viveu... Nem nenhuma Mariana...Que eu saiba! E conheci muitas delas... Algumas das quais aqui recordo com ternas saudades.

A Madre Margarida Moreno e "as meninas do Lar das Doroteias"
em Maio de 1958. Era um "palacete" lindo... Já nada dele existe!...

Numa mesinha da sala das refeições, cinco residentes de 56/58:
A Maria Edite Pedro Marçal (a Matiti, da Macau), a Maria Amélia Souto Teixeira, a Fernanda Lacerda, a Maria del Carmen Lourenço Estevez e a Maria de Lurdes Macedo.

Quem é que poderá imaginar que, naquele tempo, algum rapaz pudesse entrar naquela casa para ir ajudar as "meninas do Lar" nos afazeres da cozinha?!!...
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"A noite havia sido de festa na Casa das Doroteias e, como sempre nessas ocasiões, cabia às próprias estudantes internas (!) a responsabilidade de, no dia seguinte, proceder a limpezas e arrumações. O regulamento proibia a entrada de rapazes nas instalações, como aliás era de bom tom e adequado a uma instituição tão respeitável quanto aquela, mas esse dia era uma excepção até porque havia certos trabalhos que requeriam o músculo masculino(?!).
Foi assim que, nessa ocasião, José acabou por ver-lhe abertas as portas do lar. Perguntou por Mimícas e, segundo as indicações, foi dar com ela na cozinha.

"Isto" é impensável!... Só num romance, escrito à distância de mais de cinquenta anos...
Mas, aqui no livro, acho que ninguém foi enganado...
Na "Nota final" é o próprio autor que revela: "Tudo o que sei sobre a sua vida (do Pai) até ao dia do massacre (de Wiriyamu) resulta do que me disseram as pessoas que o conheceram e com ele viveram essas situações."

E acrescenta:"Como facilmente se depreende das minhas palavras, esta obra é pois inspirada em factos reais, embora livremente ficcionados. As narrativas amorosas são puras invenções, uma vez que coisas dessas raramente alguém relata a um romancista..."
Com isto, JRS diz tudo... E nós desculpamos alguns pequenos lapsos.
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Parabéns, ao José Rodrigues dos Santos!
O livro "O Anjo Branco" foi lançado em finais de Outubro...
...e já vai na sua 5ªEdição... com 90 mil exemplares!

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