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02 novembro 2009

O Saramago de quem me lembro...

CARTA DO CANADÁ
Fernanda Leitão
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Fernanda Leitão, a jornalista
que foi directora do "Templário"
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Seguramente, foi em 1959 que assentei arraiais na Brasileira do Chiado, no grupo pontificado por Tomaz de Figueiredo, Jorge Barradas, Abel Manta e Almada-Negreiros, onde fui dar pela mão de artistas plásticos cujo vasto atelier passou a ser, também, meu poiso habitual. Meu de muitas outras pessoas. Em tardes de inverno, com a lareira acesa e tomando chá, por ali passava a dizer poemas Vasco Lima Couto e, a inundar o espaço com a sua voz inesquecível, Eunice Muñoz.
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Gente do teatro, do cinema, da música, das artes plásticas, do jornalismo, das letras, ali conviviam com serenidade e gosto.
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A escritora Isabel da Nóbrega começou a ser habitual e depressa se tornou uma amiga dos donos do atelier. Senhora de bom berço e fino trato, inteligente e culta, bem instalada na vida, caíu numa cilada do demónio. Apaixonou-se por um zé ninguém, nem sequer bonito, muito menos simpático e bem educado, que olhava tudo e todos de nariz empinado, numa pseudo-superioridade de quem tem contas a ajustar com a vida, quezilento e muito chato.
Falava como um pregador de feira e era intragável. Mas, em atenção à Isabel, lá íamos aturando o José Saramago.
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Para mim, que sou péssima, foi ponto assente: aquele não a ia fazer limpa, era um depósito de ódio recalcado. Foi por isso que não me admirei nada quando o vi director do Diário de Notícias, a mando do Partido Comunista, onde, da noite para o dia, lançou ao desemprego 24 jornalistas, dos da velha escola, dos que escrevem com pontos e vírgulas, deixando-os, e às famílias, sem pão.
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Tambem não fiquei minimamente surpreendida quando soube que abandonou Isabel da Nóbrega, que tanto fez por ele, para alvoroçadamente casar com uma espanhola que foi freira e tem vastos conhecimentos no mundo da política e das letras. Para mim, estava tudo a condizer com a figura.
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Cá de longe soube que publicava livros e vendia muito. Não me aqueceu nem arrefeceu, porque nunca li nada escrito por ele nem tenciono perder tempo com isso. Não me apetece, e está tudo dito. Nem o Nobel que lhe deram me impressionou, porque já vi o Nobel ser dado sem critério algumas vezes. Acho mesmo que o prémio está a ficar muito por baixo.
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E agora, o homenzinho da Golegã a chamar nomes a Deus, a insultar a Bíblia nuns raciocínios primários de operário em roda de tasca. Dizem que o fez por golpe publicitário. Talvez. Acho que é capaz disso e de muito mais.
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No entanto, creio que, no meio do aranzel, apenas houve uma pessoa que lhe fez o diagnóstico certo: António Lobo Antunes, numa magistral entrevista dada à RTP, há dias, respondeu a Judite de Sousa, que o interrogava sobre as tiradas de Saramago, que essas vociferações contra Deus lhe tinham feito medo.
E adiantou: "tenho medo de chegar à idade dele assim, sem senso crítico".
Está tudo dito.
É mais um como há tantos anciãos de tino perdido em Portugal.
É deixá-lo andar. A mim tanto se me dá...

1 comentário:

Anónimo disse...

Agradeço de todo o coração o autor deste espaço que publica a tão interessante e sábia crónica de Fernanda Leitão que,na nossa juventude, em 1975 mais ou menos, líamos com muito interesse no Templário - Os Bilhetes Saloios. Que saudades!, também digo. Obrigada por esta oportunidade. Vou continuar a consultá-los.
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