António Gedeão
1985
.
Poema do homem-rã
.Sou feliz por ter nascido
no tempo dos homens-rãs
que descem ao mar perdido
na doçura das manhãs.
Mergulham, imponderáveis,
por entre as águas tranquilas,
enquanto singram, em filas,
peixinhos de cores amáveis.
Vão e vêm, serpenteiam,
em compassos de ballet.
Seus lentos gestos penteiam
madeixas que ninguém vê.
.
Oh que insólita beleza!
Festivo arraial submerso.
Poema em líquido verso.
Biombo de arte chinesa.
No colóquio voluptuoso
dessa alegria pagã
babam-se os olhos de gozo
na máscara do homem-rã.
.
Suspensas e sonolentas
rendas de bilros voláteis,
esboçam-se as formas contrácteis
das medusas nevoentas
Num breve torpor elástico,
como dobras de sanefas,
estremecem as acalefas
e as lforrecas de plástico.
.
Com barbatanas calçadas
e pulmões a tiracolo,
roçam-se os homens no solo
sob um céu de águas paradas.
.
Passam por entre lisonjas
das anémonas purpúreas,
por entre corais e esponjas.
hipocampos e holotúrias.
.
Sob o luminoso feixe
correm de um lado para outro,
montam no lombo de um peixe
como no dorso de um potro.
.
Onde as sereias de espuma?
Tritões escorrendo babugem?
E os monstros cor de ferrugem
rolando trovões na bruma?
.
Eu sou o homem. O Homem..
Desço ao mar e subo ao céu.
Não há temores que me domem
É tudo meu, tudo meu.
.
António Gedeão
in."Teatro do Mundo" - 1958
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