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26 janeiro 2008

Eles foram meus professores...

Ano lectivo de 1954/55

Morfologia e Fisiologia Vegetais
Cadeira do 2ºano do Curso de Ciências Biológicas

José Emílio dos Santos Pinto-Lopes

José Emílio dos Santos Pinto-Lopes (1915-1981)

Fui aluno de Pinto-Lopes no primeiro semestre do ano lectivo de 1954/55, na matéria de fisiologia, da cadeira de “Morfologia e Fisiologia Vegetais”, tendo o professor Flávio Resende regido o segundo semestre, na programa referente à morfologia.

Tenho dele a ideia de um homem culto mas muito fechado em relação aos seus alunos. Sem sorrir, muito sabedor, muito competente e profissional, colocava entre si e todos nós, uma barreira que nos distanciava muito do professor enquanto expunha as suas ideias…
Do seu gabinete para a aula… da aula para o seu gabinete, Pinto–Lopes não se abria muito a desfazer qualquer dúvida que pudesse surgir…
Longe… muito longe… da vivacidade que Flávio Resende punha nas suas aulas e na comunicação com os alunos!
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Pinto
-Lopes entra na Faculdade em 1936. A sua licenciatura dura exactamente o tempo que devia durar, já que era um aluno bem preparado e aplicado. Concluiu-a com 17 valores, em 1940.
Quando a 2ªGuerra mundial termina, com a rendição a bordo do “Missouri”, nos mares de Tóquio, em 2 de Setembro de 1945, Pinto–Lopes estava pronto a concluir a redacção da memória do seu doutoramento, cujas provas só no fim de Janeiro de 1946 teriam lugar.
(…)
Eram modestas as origens de Pinto–Lopes. Mas teve preparação escolar especialmente cuidada, com toda a formação liceal feita, em regime interno, em colégio religioso, procurado pelas elites. Aí ganhou bagagem de saber sólido e treino em abafar emoções.

(…) Em 1921, Rui Telles Palhinha tinha 50 anos e uma longa, intensa, mas muito dispersa, carreira docente. De espírito vivo e grande discernimento, o Prof. Rui Palhinha teve papel importante no encaminhamento das carreiras de vários académicos. O mais notável que beneficiou do aconselhamento de Palhinha foi Aurélio Quintanilha que teve mão importante também na carreira de Carlos Tavares e na Pinto–Lopes.
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Numa Faculdade pasmada e fechada sobre si(…) ganha mais relevo a decidida vontade de Pinto-Lopes a não se acomodar e a prosseguir os trilhos ásperos da carreira académica em “micologia” que escolheu com visão e construiu com rasgo.
Num panorama assim, mais ressaltam os valores da lógica, da ordem e da organização que o haviam de acompanhar por toda a sua carreira académica.
(…)
Em Março de 1942 entra como assistente e retoma os temas da micologia. Faz estágios voluntários em vários laboratórios e segue, inclusivamente, o ensino prático da micologia que Branquinho de Oliveira rege em Agronomia.
É então que Flávio Resende passa a dirigir a Botânica e Pinto Lopes aproveitou de imediato a “excelente oportunidade” de se iniciar nas técnicas da Cariologia micológica sob a orientação daquele professor
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O Prof. Fernando Catarino diz que “Pinto-Lopes era exaustivo.” E adianta: “Foi meu Professor só numa disciplina, Morfologia e Fisiologia Vegetais, onde tive um “péssimo” 11 ou 12. Certo dia, a umas semanas do seu concurso para Catedrático, em 1955, com admiração nossa, saiu-nos uma aula, fora do contexto, sobre ácidos nucleicos. Via-se que o mestre estava algo nervoso. Pedira até o auxílio de um técnico do Laboratório, o sr. José Martins, para cronometrar os tempos. Lembro-me que achei o ensaio algo atabalhoado, tanto mais que em 1953, tive o privilégio de ter tido de Antunes Serra, no Curso de Zoologia Geral, dias após a saída do artigo de Watson e Crick na Nature, uma excelente aula sobre a grande novidade que tanto impacto havia de ter. Passadas mais uma ou duas semanas, novo ensaio de Pinto–Lopes com a turma a servir de cobaia. Desta vez no “abalizado” julgar do aluno que eu era, o Professor lá passou…”

E, mais adiante, Fernando Catarino continua:
Via-se que dava, com deleite, aulas sempre muito arrumadas, densas, com um gosto especial por incluir aspectos químicos e bioquímicos quando se chegava à respiração e à fotossíntese. Era um sufoco de fórmulas químicas e vias metabólicas, expostas em tom monocórdico e velocidade delirante, com muitos atépês e adépês a entrar e a sair numa autêntica roda-viva, dentro e fora do Ciclo de Krebs! Havia quadros auxiliares primorosamente desenhados que, o melhor mesmo, era decorar. O que seria de nós, se Pinto – Lopes já tivesse “Power-Point”, essa maravilha de empanturrar?”
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(…) Flávio Resende referia-se a este marcado gosto e aptidão de Pinto–Lopes pelas fórmulas químicas, escritas exaustivamente no quadro, como Química de giz
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(…) Vingando-se, Pinto-Lopes acabou por editar, já nos anos sessenta, o seu muito cuidado e actual texto “Fotossíntese: Aspectos biofísicos e bioquímicos”, que várias gerações de estudantes seguiram com proveito

A capa do livro referido por F.Catarino

Uma "assustadora" fórmula da Clorofila a (pg.25)



A fórmula de um ADP, que nos dava cabo do toutiço...

No ano anterior, eu tinha feito a cadeira de Química Orgânica, com um bom Professor, o alemão Kurt Jacobson, que tinha como assistente a excelente professora que foi Marieta da Silveira. A ela devo a nota de 16, naquela cadeira, quando me obrigou a ir fazer exame oral, com o Catedrático, para que eu pudesse elevar a nota, um pouco mais baixa, que tinha tido no exame escrito. Eu estava bem preparado para "enfrentar" esta "avalanche de fórmulas químicas"... E safei-me!...


...e o "famigerado" Ciclo de Krebs que, mais tarde,
os nossos alunos aqui no Liceu, tiveram de "gramar"
nas aulas do 6ºano e, mais tarde, no 10ºano.

Na sequência de andanças menos felizes da sua progressão académica, ao ter sido preterido num concurso muito disputado para Professor Catedrático, Pinto-Lopes encetou um capítulo novo na sua vida para o qual estava, como se comprovou, plenamente talhado. Foi convidado, em 1956, para fundar e dirigir em Lourenço Marques, de raíz, o Instituto de Investigação Científica de Moçambique.

Todos quantos o conheceram foram unânimes em dizer que teriam sido esses os anos de maior felicidade e de realização pessoal de Pinto-Lopes.

Regressou à Faculdade, em Portugal, em 1962 quando pressentiu que o Império português, "pluricontinental e plurirracial" tinham os dias contados...

Este apontamento é baseado no texto que
o Prof.Fernando Catarino
escreveu para o livro
Memórias de Professores Cientistas
que foi editado em 2001,
pela FCUL.

1 comentário:

Anónimo disse...

Tive o privilégio de ter sido sua aluna no 1 ano da minha licenciatura em geografia..eu era muito irreverente e ele engraçou com o meu combate às lições de virologia e primeiras noções que tive de cibernética e análise sistémica!Mais tarde,muitos anos decorridos encontrei-o num eléctrico no P.Real e não é que ele me abordou de forma muito afetuosa!Que esteja em paz!