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23 setembro 2009

Museu Arronches Junqueiro...

Em 14 de Julho, o Manuel Poirier Braz contactou comigo através de um email curioso e "cheio de História". Logo imaginei uma resposta que teria de ser um pouco longa e, ao mesmo tempo, muito demorada, atendendo à época em que estávamos... a época de exames à qual se seguia a época das férias... Tive de esperar a reabertura da Escola para delinear uma resposta que nos satisfizesse a ambos.
Devo dizer-lhe, meu caro Manuel Braz que as peças de que me fala ainda existem, na sua maioria. O Museu é que já não existe tal como o conhecemos em 1959...
Actualmente, o que dele resta, dá pelo nome de "Museu Bocage" - e "reside" no Laboratório de Ciências Naturais... acomodado como as circunstâncias actuais o permitem.

Manuel Poirier Braz

"Meu Caro Dr. JJMatos

Venho falar-lhe, hoje, de um museu de Setúbal que parece ter desaparecido. Antes disso, porém, permita-me que faça um pouco de História acerca do respectivo fundador:
António Casimiro Arronches Junqueiro (1868-1940) foi um dos espíritos mais brilhantes da sua geração. A sua vida foi um exemplo de dedicação a Setúbal e à sua gente, cuja história, arqueologia, tradições, flora e fauna estudou com verdadeira paixão.
Natural desta cidade era filho único de pais abastados que viviam durante o Inverno numa casa da Rua de S. Sebastião (que hoje tem o seu nome) e no Verão, na Quinta da Laje, à Estrada das Machadas, a caminho do antigo Convento de S. Paulo.
Tendo prescindido de fazer estudos universitários tornou-se um reconhecido e prestigiado naturalista; um etnólogo e arqueólogo aplaudido pelos seus pares; poeta, prosador, dramaturgo, astrónomo amador e artista plástico. Tudo abarcou o seu amplo espírito humanista.
Em 1916 foi nomeado bibliotecário municipal, funções que exerceu até 1938, quando atingiu, aos 70 anos, o limite de idade.
Como zoólogo e entomólogo, Arronches Junqueiro criou o Museu de História Natural, cujas colecções ofereceu, em 1921, ao Liceu de Bocage, nesse ano elevado à categoria de liceu central.
Quando, em 1949, foram inauguradas as actuais instalações do nosso liceu, o acervo do museu foi instalado em 9 "vitrines", cuja altura quase chegava ao tecto, alinhadas no vasto espaço do piso superior, que antecedia o laboratório de física e química.
Os espécimes do museu foram transportadas à mão pelos alunos, do "liceu velho" para o novo, a fim de minimizar os estragos que poderiam ser causados na parte zoológica da colecção pela remoção, por qualquer outro meio.
Em 16 de Fevereiro de 1955 procedi ao inventário da parte zoológica encerrada nas 9 "vitrines", cujo conteúdo resumido, começando de Norte para Sul era o seguinte:
A primeira "vitrine" era ocupada por mamíferos. Ali se encontravam alguma variedades de símios, raposas, coelhos, ratos, ginetas, cotias, gatos, lebres e um texugo.
A segunda era consagrada a quase todas as formas de ninhos de aves e respectivos ovos. Continha ainda belos exemplares de águia, gavião, abutre, doninhas e sacarras.
O conteúdo do terceiro armário era constituído por uma cabeça de carneiro, diversas aves pequenas (pássaros), variedades de corujas e um magnífico falcão.
No interior da quarta "vitrine" existia uma cabeça de veado e grande variedade de pássaros, sobressaindo pela beleza um Oriolus galbula, L. (papa-figos) e o Micedo hispida, L. (pica-peixe); dois corvos e mais algumas corujas.
A quinta continha uma cabeça de javali e vários patos, por classificar; pombos, perdizes, algumas aves aquáticas e um belíssimo papagaio.
O sexto armário era dedicado às aves aquáticas, umas por classificar e outras com os nomes ilegíveis, de entre as quais sobressaía um explêndido Anas moschats, L. (pato de coral), cuja cabeça, de cor avermelhada se assemelha ao coral. Existiam ainda quatro papagaios do mar (Mormon articus, L.).
O sétimo encerrava répteis da ordem dos quelónios (tartarugas) e esqualos pequenos. Continha ainda dois peixes-balão e outros espécimes.
Na oitava "vitrine" distinguia-se um flamingo e outro pernalta.
Finalmente o nono armário era ocupado por um polipeiro e duas "serras" de peixe-serra.
A colecção entomológica, composta de uma infinidade de insectos, alguns de proporções reduzidíssimas, encerradas num armário de madeira, já por esse tempo se encontrava guardada numa sala do rés-do-chão, onde os alunos não permaneciam nem passavam.
Como deixei de residir em Setúbal a partir do ano seguinte, não mais voltei a ver o Museu Arronches Junqueiro. Todavia, anos mais tarde, perguntando por ele a alguns sobrinhos que, entretanto, frequentaram o nosso liceu foi-me dito que o museu já ali se não encontrava.
Uma vez que o meu Prezado Amigo passou a ser professor de Ciências Naturais, no liceu de Setúbal a partir, salvo erro, de 1958, poderá dizer-me que sorte teve aquele museu, tão desvelada e generosamente constituído e oferecido pelo sábio Arronches Junqueiro?
Com os melhores cumprimentos, a amizade e o maior apreço do
Manuel Poirier Braz"
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Este é o texto do e-mail que o antigo aluno do Liceu Nacional de Setúbal, Poirier Braz me enviou em Julho, pp. Estávamos no fim do ano lectivo, uma má época para "consultar" a memória do Museu Arronches Junqueiro. Que pouca gente conhece por este nome, muita embora tenha sido observado por muitos... mas mesmo muitos milhares de alunos que frequentaram o nosso Liceu desde que foi feita a "transferência" aqui descrita pelo Manuel Braz, ocorrida nos primeiros meses de 1949.
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Não quero que se emocione muito... mas deixo-lhe aqui a fotografia da Sala de Ciências Naturais do Liceu Velho que eu já não conheci mas onde, provavelmente, assistiu a muitas aulas de Ciências Naturais.
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Em primeiro plano, à direita, um dos armários transferido em 1949 para o actual edifício e que eu ainda conheci, durante três ou quatro anos, no átrio em frente à Biblioteca do actual edifício do Liceu.

Quando regressei, após o estágio pedagógico no Liceu de Pedro Nunes, em Outubro de 1964, já não encontrei estes expositores onde se guardavam as colecções de Insectos, Aracnídeos e outras peças de menor volume. O Manuel Brás fala em um expositor mas a minha memória levava-me a afirmar que seriam mais dois ou três... Não posso teimar! O que posso é afirmar que nenhum deles resistiu à transferência, havida entretanto, para as novas instalações do Gabinete de Ciências Naturais instalado no rés-do-chão do topo da ala norte, acabado de construir.
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Também nunca mais vi a fotografia que, sobre a porta de entrada da Biblioteca, presidia àquele espaço museológico - a fotografia, a meio corpo, de Arronches Junqueiro! Não sei o que lhe fizeram. Oxalá esteja guardada em qualquer sítio e em boas condições...

As tentativas de transferir as nove "vitrines" mencionadas pelo Manuel Braz redundaram num "apreciável" fracasso... Altas, até ao teto, com amplas superfícies de vidro amparadas por "caixilhos" de madeira muito finos e já "desconjuntados", apenas dois destes "armários" chegaram ao destino, onde se encontram ainda, no átrio exterior do Gabinete de Ciências Naturais... tendo conseguido escapar à "loucura" dos "tempos heróicos" de 74/75... Dos restantes, apenas dois permanecem no local de origem mas já não guardam as peças que tinham no interior... Estão servindo para neles colocarem objectos concernentes a algumas exposições temporárias que a Escola leva a efeito. Creio que algumas destas nove vitrines foram abatidas no mobiliário do Liceu.

Descobri na base do expositor de uma das Aves que existem no Laboratório de Ciências Naturais uma das poucas referências ao Museu Arronches Junqueiro

Liceu Central de Setúbal
Museu Arronches Junqueiro
Etiqueta original

Aspecto actual do Laboratório de Ciências Naturais.
Os "computadores" foram colocados há três meses mas...ainda não trabalham...

É nestas instalações que "residem" desde 1964 as peças constituintes do Museu Arronches Junqueiro, todas elas em "muito boas" condições se considerarmos que, de há 60 anos até hoje, nunca este "espólio científico" foi dotado da mais ínfima verba oficial para a sua manutenção!... Apesar das insistências constantes sobre as várias Reitorias e sobre os vários Conselhos Directivos que se sucederam, nunca houve um "tostão" para limpezas... nem uma verba para adquirir armários ou vitrines... e muito menos para a cedência de uma sala própria onde deveria ser colocado aquele espólio... Nada de nada!...Os cuidados dispensados pelas sucessivas gerações de professores do Grupo e de auxiliares de laboratório contribuiram um pouco para a conservação das peças existentes e expostas actualmente.

Vou tentar dar uma ideia das peças agora existentes servindo-me para isso do texto do "email" de Manuel Poirier Braz quando ele menciona o conteúdo das várias vitrines que ajudou a transportar do velho Liceu para as instalações actuais do Liceu Nacional de Setúbal (agora chamado Escola Secundária de Bocage).
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Na primeira vitrine: Símios e raposas

Símio colocado em cima de armário, entre a janela e o quadro preto.
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Este Símio está colocado simetricamente em relação ao anterior,
também ao "ar livre", em cima do armário do outro lado.

A raposa (Vulpes vulpes)

Na segunda vitrine: Águia, Gavião, Abutre, Doninha

A águia

Grifo - Gyps fulvus


Doninha (Mustela sp.)

Na terceira vitrine: Pássaros, Coruja e Falcão

Pêga (Pica pica melanotus) já muito alterada na cor.

Coruja do mato (Strix aluco)

Falconídeo

Na quarta vitrine: Papa figos, Pica peixe, Corvos e Corujas

Não encontrei o exemplar de Alcedo athis (antigamente denominada por Alcedo hispida). O Pica peixe foi talvez o exemplar mais conhecido pelos alunos do antigo 7ºano... Saía sempre nos exames práticos e era muito fácil de identificar... Com o Alcedo hispida à frente o exame era "canja"...

"Vestido" de preto e com bico amarelo, o Corvus frugilegus também
conhecido por Gralha calva.

Na quinta vitrine: Javali, patos, Aves aquáticas, Papagaio

Cabeça de Javali (Sus scrofa)


Pato mandarim (Aix galariculata)

Pato

Gaivota (Larus genei)

Na sexta vitrine: Pato de coral, Papagaios do mar

Pato de coral (?) com cores muito alteradas

Papagaios do mar (Fratecula artica)

Na sétima vitrine: répteis Quelónios, Peixe balão

Alguns Répteis

Esta carapaça de tartaruga não pertencia à Colecção de Arronches Junqueiro

Na oitava vitrine: Flamingo e outra pernalta

Flamingo (Phoenicopterus ruber)

Garça branca (Egretta alba)

Na nona vitrine: Peixe serra e polipeiros.

Rostro achatado dorsiventralmente de Pristis clavata (Peixe Serra)


Tubarão martelo (Sphyrna)


Polipeiro (este exemplar não pertencia à colecção Arronches Junqueiro)

Polipeiro

A falta de espaço e de acomodações impedem uma melhor disposição dos exemplares existentes no Museu.

Há ainda bastantes outros exemplares como são exemplos

O Lince (Linx linx)

O Dom fafe (Pyrrhula pyrrhula)

O Bico grossudo (Coccothraustes coccothraustes)

Da falta de espaço resulta uma grande mistura...

Algumas Aves num armário atrás da porta do Laboratório...
Quando se abre a porta...ficam escondidas!
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Outro aspecto das superfícies de apoio dos exemplares...
as paredes do Laboratório.
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Numa altura em que os 400 computadores, com que "dotaram" a Escola há uns meses, ainda não funcionam por deficiências no quadro eléctrico próprio que não comporta a carga existente... porque é que se há-de "desbaratar" dinheiro para a manutenção do Museu Arronches Junqueiro que tão poucos sabem que existe apesar de a sua História já ter mais de 100 anos?!...

Meu caro Manuel Braz, actualmente não deve haver ninguém na nossa Escola que saiba quem foi Arronches Junqueiro. Quando muito saberão alguns dos seus elementos que existe na cidade uma rua que tem o seu nome... mas que até nunca deixou de ser conhecida por rua de S.Sebastião...

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