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22 fevereiro 2009

Fernando Pessoa

O Mostrengo

Fernando Pessoa
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O Mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou trez vezes,
Voou trez vezes a chiar,
E disse, “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?”
E o homem do leme disse, tremendo,
“El-Rei D.João Segundo!”

“De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?”
Disse o mostrengo, e rodou trez vezes,
Trez vezes rodou, immundo e grosso,
“Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?!
E o homem do leme tremeu, e disse:
“El-Rei D.João Segundo!”

Trez vezes do leme as mãos ergueu,
Trez vezes ao leme as reprendeu,
E disse ao fim de tremer trez vezes,
“Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade que me ata ao leme,
De El-Rei D.João Segundo!”
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in. "Mensagem" – Segunda parte: Mar Portuguez

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