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15 julho 2014

Com Carlos Pessoa...

em 19 de Junho de 1998, através do jornal "Público.

Numa coluna então denominada “Em Público”, o jornalista Carlos Pessoa dá o título de “A boa morte” ao seu apontamento, onde naquele dia, escreveu:
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     “Há famílias assim. Marcadas pelo segredo da longevidade que parece desafiar uma lei incontornável: a de que tudo o que nasce tem de morrer. É como se a genética e a biologia dessem firmemente as mãos para adiar, até ao limite do impossível, esse momento final que permite o acerto de contas.
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     Numa dessas famílias bem portuguesas, o decano viveu até aos 103 anos de idade sem problemas de maior (...) Contava um dos seus filhos que no dia em que o pai fez 100 anos (...) alguém lhe perguntou o que sentia num momento de consagração como aquele, uma espécie de reconhecimento social e de sangue de uma vida dedicada...a viver. A resposta, discreta e imensamente lúcida, foi surpreendente: uma grande fadiga.
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    Viver muito também cansa. Sobretudo, permite constatar aquela reacção simples e imediata, quando há lucidez suficiente para perceber que é inevitável ter de se arcar com o peso das memórias e do passado. Tudo aquilo, afinal, que confere uma aparente espessura ao ofício de viver, mas pode também tornar-se num grande fardo que esmague a vivência plena do momento e do instante.
     Tendo em conta a difícil relação, cultural, existencial e ética, que a ocidente as sociedades contemporâneas têm com a morte, pode parecer chocante ou mesmo absurdo que alguém esteja possuído por essa lassidão da vida ao ponto de desejar um encontro rápido com os seus antepassados. E, de preferência, suave, indolor, sem agonia nem mágoa. Em suma, que a morte venha no momento em que tem de vir e nos encontre preparados para a passagem... Algo que os bascos traduzem por uma fórmula feliz: Quem viver bem também morrerá bem.
     O grande problema dos nossos dias é que raramente se vive bem. Ou seja, vive-se sem qualidade, sem exigência, sem valores, numa espécie de adormecimento que distrai do essencial e prende ao acessório...
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Já lá vão 16 anos desde que, pela primeira vez, li este apontamento de Carlos Pessoa mas creio que não me sinto ainda muito cansado... 

1 comentário:

Olímpio Matos disse...

Quando li o parágrafo final fiquei mais descansado . Abraço .
OMMatos