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13 janeiro 2010

No Liceu de Pedro Nunes...

"O Pedro Nunes era uma casa de excelência. A fina-flor dos professores passava por lá, já que era no nosso liceu que eles faziam estágio”, diz Marcelo Rebelo de Sousa.
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Sendo uma das três escolas portuguesas para formação de professores, nos anos 60, teve um reitor notável, Francisco Dias Agudo. Com Maria Luísa Guerra, velava pela formação dos alunos, que tinham aulas de Ginástica ou Canto Coral às 7 da manhã, antes das aulas teóricas. Para começarem o dia com “corpo são em mente sã”, “reconfortados física e moralmente”. Era o que diziam os mestres. Os alunos, que rapavam frio nas madrugadas do Inverno lisboeta, não eram da mesma opinião. António Mega Ferreira mal dormia. Morava então em Mem Martins - que era uma aldeiazinha de férias e não a actual cidade de 70 mil habitantes-, vinha no comboio da Linha de Sintra, com Daniel Sampaio, e chegava ao liceu estremunhado. “As inovações pedagógicas do Pedro Nunes só foram possíveis devido à acção do reitor. Que era distante, austero, tinha fama de duro e sujeitava-nos a uma disciplina férrea”, recorda Mega Ferreira. Maria Luísa Guerra “foi a professora que mais me influenciou”. Abria portas aos seus alunos que deixam a morrer de inveja quem fez o liceu ao mesmo tempo. Por exemplo: em meados dos anos 60, Marcelo Rebelo de Sousa fez uma exposição no Pedro Nunes com o tema “A Abulia em Álvaro de Campos”. Ana Zanatti e Mega Ferreira disseram poemas. A generalidade dos alunos de liceu dessa altura só recorda um poema da “Selecta Literária”:
"No plaino abandonado
que a morna brisa aquece
de balas trespassado
duas, de lado a lado
jaz morto e arrefece [...]”.
...“O Menino de Sua Mãe”, e pouco mais se aprendia sobre Fernando Pessoa.
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A inovação não era apenas em Ciências Humanas. Artur Schiappa, aluno de 1958 a 65, é do grupo que ensaiou a revolução na Matemática. Quando se pôs de parte a Matemática clássica e se começou a estudar a teoria dos conjuntos, os “ensaios” foram feitos no Pedro Nunes. “Não havia Educação Cívica, nem Educação Sexual, nas aulas de Biologia não se falava do aparelho sexual, e estudávamos por compêndios únicos”, contrapõe Marcelo Rebelo de Sousa. Eram os defeitos da escola do tempo. Fora isso, os alunos do Pedro Nunes eram mesmo privilegiados. Muitos deles ainda hoje recordam a exposição que fizeram no 6.º ano e foi visitada por meia Lisboa. Que, de facto, ia ver as aguarelas de Botelho, que lá estavam numa grande mostra simultânea. Jorge Sampaio conta a história a rir. O dr. Moniz, professor de Ciências, decidiu pôr à prova o aluno ruivo e sardento e, a meio da aula, perguntou: “Você aí, é ‘Salpicadinho da Costaou é ‘Rabanete’?” Jorge, com 14 anos, encolheu os ombros e respondeu: “É à vontade do freguês, senhor doutor, à vontade do freguês.” Com Miguel Galvão Teles, Sampaio estudou no Pedro Nunes do 1.º ao 5.º anos, mas não foi grande aluno, excepto a Inglês. Transferiu-se depois para o Passos Manuel, de novo com Galvão Teles, por não haver a alínea “E”, a de Direito. Diz o Presidente que no Pedro Nunes aprendeu disciplina, rigor, qualidade; no Passos Manuel ensinaram-lhe pluralismo de ideias, convivência e liberdade. Dessa altura o que mais recorda é o bairro de Campo de Ourique, onde morava, a vida de café, os jogos no Jardim da Parada. Álvaro Cunhal é a grande surpresa. Quem o conheceu menino de 11 anos, recém-chegado de Seia e provinciano, nunca imaginou que ele haveria de ser o último grande comunista europeu. António Cunhal, o irmão uns anos mais velho, era brilhante. O jovem Álvaro nem tanto. Aluno de 13, com má nota a Desenho, não se destacou no Pedro Nunes e esteve lá pouco tempo.
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Texto extraído de um artigo
intitulado "Filhos da Nação",
e assinado pela jornalista
Maria Guiomar Lima
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NB:
1. Fui professor estagiário no Liceu Normal de Pedro Nunes nos anos lectivos de 1962/63 e 1963/64. Como estagiário do Dr. Rómulo de Carvalho, dei três ou quatro aulas à excelente turma onde já se destacavam Marcelo Rebelo de Sousa, Mega Ferreira e Jorge Moyano. Todos eles com 12 ou 13 anos...
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Tenho pena de não ter ficado com a constituição das turmas que naqueles dois anos tivemos no Pedro Nunes, e cujas cadernetas estavam na posse dos Professores metodólogos que ali guiaram o meu destino: o Dr. José Branco, em Ciências Naturais e os Drs.Evaristo Vieira e Rómulo de Carvalho (António Gedeão), o primeiro, na área da Geografia e o segundo na de Físico-Químicas, ambos na disciplina de Ciências Geográfico-Naturais, do antigo primeiro ciclo.
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2. O Dr.Moniz (Manuel Vieira Moniz) que é citado no texto, foi professor de Ciências Naturais no Liceu de Setúbal a partir do ano de 1944/45 e no Liceu de Castelo Branco, nos finais da década de cinquenta, já depois de eu ali ter feito o 7ºano.

"O Liceu de Pedro Nunes teve um Reitor notável": Francisco Dias Agudo (com o chapéu na mão), assiste a uma cerimónia na Sé de Castelo Branco, realizada no dia 5 de Maio de 1956, por altura da 2ªRomagem de Saudade do Liceu de Castelo Branco, onde tinha sido aluno, muitos anos antes,

Marcelo Rebelo de Sousa no Liceu Nacional de Setúbal (já Escola Secundária de Bocage), em 21.03.2001, onde fez uma brilhante palestra para um público juvenil e interessado que enchia por completo o Ginásio da nossa Escola.

António Mega Ferreira é detentor de um currículo invejável. Liderou o lançamento da candidatura de Lisboa para a Exposição Mundial de 1998, de que foi Comissário Executivo, administrou depois a Parque Expo, o Oceanário de Lisboa e o Pavilhão Atlântico e é presidente da Fundação do Centro Cultural de Belém.

Jorge Moyano terminou o curso de Engenharia Civil em 1974, e somente em 1975, ano em que entrou para o Conservatório Nacional de Lisboa como professor de piano, passou a dedicar-se inteiramente à música. Em 1969, obteve os Prémios do Conservatório Nacional e Rey Colaço, tendo ainda sido finalista no Concurso Internacional de Orense. Em 1978, obteve o 1.º prémio do Concurso Cidade da Covilhã e, em 1979, o Prémio Guilhermina Suggia. Em 1981, na qualidade de bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, trabalhou em Nova Iorque com os professores Gary Graffman e Martin Canin.

O pianista Jorge Moyano Marques já actuou em Setúbal, num concerto promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian, na Academia Luisa Todi, em 11 de Maio de 1971.

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