na página 3 do
"Público"
de 4 de Julho
da autoria de
Carmen Garcia
.
Carmen Garcia
(que também é enfermeira...)
.
Apenas transcrevo três excertos do seu artigo, no suplemento P2, de ontem:.
"Não devia ter mais de metro e meio a primeira utente que entrou para ser testada na manhã de quarta-feira e que, ao cumprimentar-me com um muito pouco singelo "estou fartinha desta merda toda", me arrancou do estado de sonolência típico da primeira hora da manhã. Olhei para ela com atenção à procura de uma pista sobre a sua idade, mas a cara miudinha quase totalmente coberta pela máscara cirúrgica não me permitiu chegar a grandes conclusões. E foi aí que olhei para a ficha de inscrição e vi que, na data de nascimento, constava um curioso 29-11-29, que me indicava que aquela senhora franzina e zangada, sentada na cadeira de testagem, tinha nascido na mesma terça-feira em que se iniciou a Grande Depressão, E se há coisa em que acredito é que a partir dos 90 anos se adquire uma espécie de imunidade diplomática que isenta as pessoas de filtrarem o que dizem para lá de um padrão mínimo".
(...)
Reparem, não tenho nada contra Graça Freitas, mas acho inaceitável que comunique há tantos meses com os portugueses no mesmo tom que a minha mãe usa para ensinar o meu filho mais velho a atar os sapatos e que se assemelha muito a um "faz lá isto para seres um lindo menino crescido". E ninguém me tira da cabeça que é esta comunicação errante, paternalista e desestruturada que tem feito engrossar as fileiras do negacionismo e que tem alimentado a retórica de quem não consegue deixar de achar que o seu umbigo é o centro do mundo.
Sei zero sobre comunicação profissional, entenda-se. Mas há mais de 11 anos que faço diariamente educação para a saúde e posso assegurar que a maioria das pessoas entende bastante bem o que lhes explicamos desde que tenhamos o cuidado de utilizar uma linguagem adaptada. É evidente que não vou perder tempo a explicar a um utente analfabeto de 90 anos o que significam ARN mensageiro ou vector viral. Mas garanto que é possível explicar-lhe o funcionamento da vacina, o que pode esperar após completar o esquema vacinal e o que sabemos até agora sobre cada uma das vacinas e a sua eficácia contra as diferentes variantes do vírus.
(...)
Os últimos dias têm sido novamente mais trabalhosos e começa a ouvir-se um sussurro de que, a continuar assim, muitos profissionais de saúde vão ter as férias em risco. Por aqui notamos um aumento na testagem e no número de positivos se, felizmente, ainda se sentir um aumento de carga para o SNS. Mas era importante que a DGS falasse agora. Era importante que se investisse a sério nessa comunicação e que, finalmente, se deixassem cair os paternalismos e o medo de assumir falhas.
Porque no fundo, tal como a senhora pequena e franzina que nasceu na sexta-feira negra, estamos todos , mas mesmo todos, muito "fartinhos desta merda"...
.
in. "Público"
04.07.2021
1 comentário:
" E inda por cima é bonita" . Abraço .
Enviar um comentário