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30 junho 2018

Deu cabo de Donald Trump!

... no título da coluna de
João Miguel Tavares,
no "Público" de hoje, 30 de Junho.
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Querer transformar este inconsequente encontro de Marcelo 
no filme Mrs.Padeira de Aljubarrota Goes to Washington é,
 pura e simplesmente, patético.
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João Miguel Tavares
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Breve resumo das coisas que vi serem escritas e ouvi serem ditas sobre a passagem de Marcelo Rebelo de Sousa pela Casa Branca. Marcelo esteve espectacular. Marcelo estava preparadíssimo para os poderosos apertos de mão de Donald Trump e deu-lhe um safanão tão grande que lhe amolgou o braço com que costumava grab them by the pussy. Marcelo efectuou aquilo que pode desde já ser considerado (aguarda homologação pelo Guinness World Records) o mais incrível aperto de mão da história dos apertos de mão. Marcelo mostrou a Trump de que é feito o verdadeiro português. Marcelo esteve espectacular. Marcelo deu uma lição de História a Donald Trump, que nem sequer sabia que os founding fathers tinham brindado à independência com vinho da Madeira, o ignorante. Marcelo meteu Trump no bolso quando ele fez aquela piada sobre Cristiano Ronaldo poder um dia vir a ser Presidente da República Portuguesa: “Há uma coisa que tenho de lhe dizer”, disse Marcelo, o espectacular, “Portugal não é bem como os Estados Unidos”. Uau, que espectáculo. E aquela pose na cadeira? Marcelo de mãos nas ancas, braços abertos e olhar négligé (Marcelo fez um olhar em francês só para relembrar Trump que ele não é Macron) – parecia que estava a dar a volta de honra à arena do Campo Pequeno após ter conquistado duas orelhas e um rabo. Já disse que Marcelo esteve espectacular?

E foi isto. Às vezes somos um país tão pequenino e tão ridículo que até dói. Foram ler o que é que a imprensa americana escreveu sobre esse tão grande e heróico encontro? Isto: as respostas de Donald Trump sobre quem deverá ser o próximo juiz do Supremo Tribunal de Justiça após Anthony Kennedy anunciar a sua saída. Nessas notícias made in USA, Marcelo existe apenas como peça decorativa: “Sitting next to the president of Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, in the Oval Office, Trump told reporters that his next nominee will likely come from...” E assim por diante. Não tem mal nenhum, e é perfeitamente natural que as coisas sejam descritas desta forma: Portugal é um país politicamente irrelevante no xadrez mundial, mas com uma comunidade de certa dimensão nos Estados Unidos (1,5 milhões de luso-descendentes, o único número que Trump memorizou para o encontro) e uma base militar com alguma importância nos Açores, o que lhe granjeia um pequenino naco de uma longa tarde de Donald Trump.

Querer transformar este inconsequente encontro de Marcelo no filme Mrs.Padeira de Aljubarrota Goes to Washington é, pura e simplesmente, patético. Sim, Marcelo tentou aproveitar os 15 minutos de fama na Casa Branca falando muito e depressa. E Trump, a sonhar com o Supremo, tentou ser bem-educado, abanou a cabeça em aprovação enquanto Marcelo desfiava a sua trívia luso-americana, disse várias vezes “that’s right” só para fingir que estava atento, ensaiou uma piada sobre Cristiano Ronaldo, e quando falou de assuntos sérios (acordos de comércio) declarou que os Estados Unidos estão a negociar com os “representantes” de Portugal, ou seja, a União Europeia – que é aquele sítio onde a padeira 2.0 vai comprar pá, trigo e levedura. Portugal não tem de se rebaixar diante dos grandes países do mundo, e muito menos perante o imprestável Trump. Mas a sobranceria de tantos comentários portugueses a que assisti nos últimos dias não tem pés nem cabeça. Para aquele ser um grande embate mediático entre David e Golias era necessário que o Golias tivesse reparado no David. Deixem-me dar-vos uma má notícia: não reparou.

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Hoje, o JMT foi cáustico demais...

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