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19 março 2016

O triunfo dos porcos...

... e George Orwell.


George Orwell
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Eric Arthur Blair (George Orwell) nasceu na Índia em 1903. Autor de uma vasta obra literária que começa com Down and out in Paris and London (1933), escreveu dois livros fundamentais da moderna literatura Animal Farm (O triunfo dos porcos que é uma denúncia sarcástica do estalinismo) e 1984.
Combatente das Brigadas Internacionais na Guerra Civil de Espanha foi, acima de tudo, um homem que lutou contra o totalitarismo. Da sua obra disse George Orwell em Why I wright: "Todas as linhas de trabalho erudito que escrevi desde 1936 foram escritas, directa ou indirectamente, contra o totalitarismo e em defesa do socialismo  democrático, tal como eu o compreendo."
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Transcrevo aqui o início e o fim de uma obra que marcou fortemente uma época.
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Assim que as luzes do quarto se apagaram, produziu-se movimento e agitação em todos os estábulos e gaiolas da propriedade. Constara que o velho major, um porco branco que havia sido premiado, tivera um estranho sonho na noite anterior e que desejava transmiti-lo aos outros animais, Concordaram todos em reunir-se no celeiro grande logo que o sr. Jones se tivesse afastado.
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O velho Major, nome pelo qual era agora conhecido (quando o conduziram à exposição onde fora premiado levava o nome de Belo Willingdon), era tão considerado na propriedade que todos se dispuseram a perder uma hora de sono para ouvirem o que ele tinha a dizer.

Num dos cantos do celeiro, numa espécie de plataforma, Major já se encontrava recostado na sua cama de palha, por baixo de uma lanterna pendurada numa trave. Tinha 12 anos e ultimamente engordada muito, mas conservava ainda um porte majestoso, com inteligente e benévola aparência, apesar de nunca lhe terem sido cortados os colmilhos.
Dentro em pouco começaram a chegar os outros animais que se acomodaram confortavelmente e a seu modo. Primeiro chegaram os três cães, Bluebell, Jessie e Pincher, a seguir os porcos, que se sentaram na palha em frente da plataforma. As galinhas fizeram das janelas poleiros, os pombos voaram para os barrotes, os carneiros e as vacas deitaram-se atrás dos porcos e começaram a ruminar. Os dois cavalos, Boxer e Clover, entraram juntos, com passo vagaroso, assentando no chão com grande cuidado os pesados cascos, não estivesse debaixo da palha algum animal mais pequeno. Clover era uma gorda égua de meia idade que não voltara a recuperar a sua elegância depois depois de ter tido o quarto filho.
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Boxer era um grande animal: tinha 1,80 m de altura e mais força que dois cavalos juntos. Apresentava uma risca branca no focinho que lhe dava certa aparência de estúpido, e na verdade, não possuía uma inteligência de primeira classe, mas todos os outros animais o respeitavam pela firmeza de carácter e pela grande capacidade de trabalho.
Depois dos cavalos chegaram a cabra branca Muriel e o burro Benjamim.
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Benjamim era o mais velho dos animais da quinta e o de pior humor. Raras vezes falava e, quando o fazia, apenas se lhe ouviam observações cínicas. Por exemplo, dizia que Deus lhe havia dado rabo para enxotar as moscas, mas que preferia não ter rabo nem moscas. Sozinho entre os animais da quinta, nunca se ria. Se lhe perguntavam porquê, respondia que não via nada que lhe desse vontade de rir. Contudo, era muito dedicado a Boxer e os dois passavam geralmente o domingo juntos no pequeno prado que ficava por detrás do pomar, olhando um para o outro, mas sem falarem.
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Os dois cavalos tinham acabado de se deitar quando entrou piando debilmente uma ninhada de patinhos que haviam perdido a mãe e procuravam lugar para se recolherem. Clover, com a pata dianteira fez uma espécie de muro à roda da ninhada e os pintainhos aconchegaram-se  e dispuseram-se a dormir. Quase à hora de começar chegou Mollie, a tola e bonita égua branca que conduzia a charrete do sr.Jones, muito elegante e a mastigar um torrão de açúcar. Escolheu um lugar bem à frente e começou a sacudir a linda crina na esperança de atrair a atenção para os laços encarnados que a adornavam. Por fim veio o gato, que olhou à roda, à procura de lugar mais quente, e se anichou entre Clover e Boxer ronronando satisfeito durante toda a exposição do Major sem sequer dar a o trabalho de lhe prestar atenção.
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Todos os animais estavam presentes excepto Moses, o corvo domesticado, que dormia num poleiro atrás da porta das traseiras. Quando major viu que todos se tinham instalado confortavelmente, tossiu para limpar a garganta e começou:
-- Camaradas! Vocês já ouviram falar do estranho sonho que tive a noite passada. Mas trataremos do sonho depois. Tenho alguma coisa para vos dizer antes disso. Não creio, camaradas, que esteja muitas mais vezes, convosco. Devo morrer em breve e acho meu dever transmitir-vos os conhecimentos que adquiri. Tive uma vida longa e muito tempo para pensar quando estava só no meu curral e julgo poder dizer que compreendi o sentido da vida nesta terra, tão bem como qualquer animal vivo. E a propósito disso que vos vou falar.
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“Agora, camaradas, pergunto: -- qual é o sentido desta nossa vida? Temos de admiti-lo: a nossa vida é miserável, trabalhosa e curta. Nascemos, dão-nos a comida justamente necessária para nos mantermos. Enquanto podemos respirar somos forçados a trabalhar até ao final da nossa resistência e, quando esta acaba, somos assassinados com crueldade. Nenhum animal da Inglaterra conhece, depois de ter um ano de idade, o significado das palavras felicidade e descanso.
”Nenhum animal é livre em Inglaterra; a vida de um animal é a miséria e a escravidão. Esta é a verdade nua e crua.
“Mas será por esta terra ser pobre que não pode haver vida decente para aqueles que nela trabalham? Não, camaradas, mil vezes não.
“O solo da Inglaterra é fértil, o clima é bom e é capaz de fornecer comida com abundância a uma quantidade de animais muito maior do que a daqueles que agora habitam o país.
“Esta pequena quinta pode sustentar uma dúzia de cavalos, centenas de carneiros, vivendo todos com conforto e dignidade, que presentemente quase desconhecemos.
“Então porque vivemos nós nestas condições miseráveis? Porque a quase totalidade do produto do nosso trabalho é roubada pelos seres humanos. Esta é a resposta a todos os nossos problemas. Toda a nossa miséria se resume a uma só palavra – o homem. O homem é o único inimigo real que temos. Retirem o homem da cena e a causa da fome e do excesso de trabalho desaparecerá para sempre.

“O homem é  a única criatura que consome sem produzir. Não dá leite, não põe ovos, é muito fraco para puxar arado e não corre o bastante para caçar coelhos. Pois, apesar de tudo isto,  é o senhor de todos os animais. Manda-os trabalhar e do produto desse trabalho, dá-lhes só o mínimo necessário para não morrerem de fome. O nosso trabalho lavra a terra, o nosso estrume fertiliza-a e, no fim de tudo, apenas somos donos da nossa pele.
(...)
"Todos os animais são iguais, mas alguns, 
são mais iguais do que outros"

(...)
Todos aplaudiram entusiasticamente e as canecas foram esvaziadas. Mas quanto mais os animais lá fora olhavam, mais lhes parecia que alguma coisa e estranho se estava a passar. O que seria que se tinha alterado na cara dos porcos? Os olhos opacos de Clover iam de uns para os outros. Alguns tinham 5 queixos, alguns 4, outros 3. Mas o que seria que se estava desvanecendo e alterando? Terminados os aplausos, os convivas retomaram o jogo que fora interrompido e os animais retiraram-se silenciosamente.
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Poucos metros tinham andado quando o ruído de vozes os fez retroceder. Lá dentro decorria uma luta violenta. Estavam a gritar, a dar pancada na mesa, a trocar olhares desconfiados entre si, a proferir negações furiosas. A origem do problema parecia estar no facto de tanto Napoleão como o sr. Pilkington terem descartado, simultaneamente, o ás de espadas.
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Não havia dúvidas agora sobre o que estava acontecendo às caras dos porcos. Os que se encontravam lá fora olhavam do porco para o homem, do homem para o porco e novamente do porco para o homem, mas era já impossível distinguir uns dos outros."

Este livro foi escrito entre Novembro de 1943 e Fevereiro de 1944.

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