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24 junho 2009

Homens "cortados ao meio"...

O Homem do Sabugal, o jornalista Manuel António Pina, volta hoje a "dar cartas", na sua Crónica a que deu o título de "Homens cortados ao meio"

Manuel António Pina

"Sempre gostei de Matemática. Nos primeiros anos após a instrução primária, a Matemática, juntamente com o Português, era a minha disciplina preferida, e ambas aquelas onde obtinha sempre melhores classificações. Estou convencido de que o meu amor pela Matemática e pelo Português (e, depois, pela Literatura) se deveu principalmente aos professores que tive.
Julgo que seja uma experiência comum, a de, enquanto estudantes, amarmos as disciplinas de cujos professores gostamos. É minha convicção, fundada na experiência, que o amor é o maior e mais generoso de todos os veículos de comunicação. Quando um professor ama aquilo que ensina, e ama ensinar, o que ele ensina torna-se naturalmente contagiante.
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(...) Daí que pense que talvez uma boa parte do insucesso escolar no domínio da Matemática esteja relacionado com o facto de haver por aí gente de mais a ensinar Matemática sem gostar de Matemática nem de ensinar, gente que foi parar ao ensino por, mas que sei eu?, se lhe terem eventualmente fechado outras portas.
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(...) "Para isso, para sabermos mais de nós e do mundo, se não para nos compreendermos e ao mundo ao menos para o descrevermos, a Matemática é o principal instrumento que temos, às vezes mesmo o único. A própria beleza, o inefável que tanto seduziu os românticos, os ritmos da poesia e da música, as simetrias e assimetrias, os enquadramentos, as perspectivas, das artes visuais, têm implícitas pautas matemáticas, que nos podem ajudar a compreender como (se não porque) "funciona" a beleza. Hoje, o ensino raramente estimula a curiosidade dos nossos jovens. Limita-se aos imprescindíveis "comos" sem entreabrir a porta também à interrogação, aos "porquês".
(...)
Um amigo meu, professor de uma Faculdade de Arquitectura, gasta habitualmente as primeiras aulas do curso a... ensinar a tabuada aos seus alunos e a combater o estúpido preconceito que o Secundário neles instilou contra a memorização, como se o conhecimento fosse possível sem memorização.
Sendo embora um observador distante, e apenas curioso, do fenómeno do ensino, julgo que, por razões de bom senso, tanto a Matemática como o Latim, como também a Filosofia, deveriam fazer obrigatoriamente parte dos curricula escolares durante todo o Secundário. Ora, há uns anos , até a Filosofia se quis excluir, ou limitar a uma situação residual, do ensino. O resultado está à vista: estamos a construir uma sociedade de homens, como diz Drummond, "cortados ao meio".
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Excêrtos da Crónica de
Manuel António Pina
no "Público" desta manhã
24.06.2009

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