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07 dezembro 2007

Memórias de um diário...

Oleiros
11/07/2000
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...depois de um belo almoço preparado pela D.Maria Afonso, no restaurante "Prontinho", levei o Clio que estacionei junto da casa das primas. Quando estava a sair do carro chegava também o Tó e a mulher... e, não sei porquê veio à minha memória a imagem da D.Maria Luisa Romão... Mas há uma diferença abissal entre a mulher do Tó e a mulher do primo Francisco!! Aquela vive no ano 2000... é toda prá-frentex porque todas as raparigas agora são prá-frentex... Bonitas, alegres, simpáticas, muito dadas... e estando-se nas tintas para as conveniências e para a moral dos outros!!

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Difícil... difícil... era mesmo ser-se tudo isto e viver-se em 1945!!!... E a Dona Maria Luisa era tudo isto e fazia tudo tão naturalmente que até nós, os miúdos de então, não achávamos nada mal as coisas que ela dizia ou fazia e que, eventualmente, poderiam pôr de rastos as normas éticas daquela família austera e muito conservadora!
A Dona Maria Luisa, a mãe da Belisa (miúda com 7 ou 8 anos que eu nunca mais vi desde então.), faleceu no Porto há pouco mais de um ano. Mas tenho na memória a imagem daquela bela mulher quando ela teria trinta e poucos anos! E ainda bem que a recordo assim... jovem, exuberante e divertida.

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O mesmo não posso dizer das suas cunhadas, mulheres novas e bonitas... mulheres cheias de interesse... meninas prendadas, em 1945!... Aquilo que eu vi hoje quando entrei naquele casarão que encerra uma boa parte da minha memória não pode ser traduzido em emoções...
Estive hoje na salinha de estar (onde, durante as férias, "éramos obrigados” a rezar o terço todas as noites, em grupo, com uma delas a “comandar”, de rosário nos dedos), com a Guiomar, a Hermínia e a Arminda. O Primo Francisco também lá estava.
Uma tristeza! A Guiomar, a mais nova e a mais bonita... a que, em 1974, foi Presidente da Câmara pelo CDS, a que tinha tido o desgosto de ver o apaixonado de então, o médico da vila, casar-se com a sobrinha... está uma velhinha! Mais velhinha que as irmãs mais velhas... Achei-a agora muito parecida com a Mãe, a Prima Teresa...
A Hermínia está outra velhinha... mas continua igual à Hermínia de então! Franzina... a mesma voz... os mesmos olhos vivos. Os cabelos agora brancos e uma saudade dos tempos idos estampada em todas as suas palavras... Já nem lhe choraram os olhos quando pousaram nas fotografias antigas que lhes levei... Devem ter-se-lhe secado as lágrimas com tanto sofrimento passado nos últimos anos.

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Dizem-me que a Arminda teve um qualquer AVC. Não parece nada! Para lá da idade que tem, quase noventa anos, foi a única que conversou comigo com mais “fio de conversa” e me contou um pouco da história mais recente daquela casa... tão alegre em tempos idos e agora tão soturna e tão triste... Recordámos, com ela a dar o mote, algumas patifarias que as primas nos faziam quando, no verão, passávamos por lá as férias... E foi ela a recordar, pela primeira vez que eu me lembre, da causa que levou ao arrefecimento das relações que todos tínhamos uns com os outros. Falou expressamente, sem papas na língua, mas com uma mágoa forte e uma ternura entrelaçadas, na imposição feita pelo tio cónego de não achar bem que dois rapazes frequentassem tão assiduamente aquela casa onde só havia raparigas... O “estupor” do velho padre!! Que viu maldade num convívio são de mulheres feitas, de mulheres sérias, de mulheres educadas e dois rapazolas o mais velho dos quais teria 14 ou 15 anos!!

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A memória longínqua dos tempos pode regressar agora para nos interrogarmos, como então o teríamos feito sem sombra de maldade, sobre a circunstância de um tio cónego, velho e mal formado... “exigir” que duas das suas sobrinhas fossem ficar em casa dele, no Outeiro, quase todas as noites?
Numa estante, embutida na parede, junto de uma fotografia, que faz parte da minha memória há muitos anos, em que o primo Artur Romão, o patriarca daquela casa, se deixou retratar sentado num cadeirão de encosto, uma outra fotografia permanece: a do Cónego Augusto Romão...

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Só à saída estive com a Celestina... E mais valia que a não tivesse visto! Lembrei-me da minha Mãe. Eram quase da mesma idade. A minha Mãe mais velha um ano... ou talvez dois... Mas que diferença! A minha Mãe viveu até ao fim... viveu até ao último dia!!... A Celestina já não vive há muitos anos...
Despedi-me. Disseram coisas bonitas nas despedidas...
Fiz força para conter as lágrimas... antes de sair daquela casa. Aquelas primas, se calhar, não mereciam este fim de vida...
Depois, sozinho e sempre a pé, fui fazer uma romagem de saudade percorrendo durante muito tempo as ruas de Oleiros! Mas não valeu de nada...não vou esquecer nunca esta tarde de tão triste memória.

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