Páginas

29 agosto 2020

Esta "orientação" ofende-nos!...

... no título do seu Editorial, 
no Público 
na edição de 27 de Agosto de 2020,
no qual, Manuel Carvalho critica 
mais uma asneira do Governo 
e da Direcção Geral de Saúde.

Manuel Carvalho
.
A orientação da Direcção-Geral da Saúde (DGS) que obriga crianças e jovens em situação de risco a ficar em quarentena nos centros de acolhimento revela uma insensibilidade e uma desumanidade que nos ofendem.
Não é admissível que uma autoridade de saúde force crianças fragilizadas pela violência e pelo abandono em instituições tuteladas pelo Estado. Vai ser necessário saber como foi possível alguém aprovar essa orientação que obriga os centros a isolar durante 14 dias crianças que necessitam com urgência de afecto e companhia. Até lá não se pode deixar passar em claro a declaração de Graça Freitas, que, inquirida sobre a situação das crianças, responde que "uma pessoa isolada não é uma pessoa abandonada". Uma frase repetida pela ministra da Saúde. Comparar uma pessoa qualquer, um idoso até, com uma criança em risco só tem um significado: o de menosprezar a condição de vítima das crianças que o Estado acolhe.
Não havendo respostas, medidas e uma rápida mudança na orientação, a DGS perde a sua gravitas o seu poder de exemplo para nos dizer o que podemos ou devemos fazer na pandemia. Não merecerá a nossa confiança. Quem não percebe a condição de uma criança em risco, quem compara a sua situação à de uma "pessoa" em abstracto, quem consegue viver com a ideia de ver alguém com nove ou dez anos retirado da família ser forçado ao isolamento, e garantir que essa não é uma forma de abandono, não percebe nada. Que a directora-geral não tenha sido capaz de ver logo o alcance da regra imposta burocraticamente a todas as instituições é algo que merece censura; que insista nessa maneira de ver depois de a decisão ter sido alvo de debate público é uma posição que merece condenação.
Graça Freitas perdeu credibilidade e, com Marta Temido ao seu lado, compromete o Governo no tratamento brutal que o Estado está a dar a crianças fragilizadas e carentes. Se a comissão de protecção de menores "sugere" a sua correcção, Graça Freitas tem de despir o fato de burocrata que a leva a dizer que tudo está sempre em avaliação e a reconhecer que a DGS errou. Porque o "tudo", neste caso, são as crianças vítimas de violência. Se um teste negativo à chegada dos centros não basta, que imponha outras medidas. Mas não pode isolar uma criança em quarentena sabendo, como disse, que essa decisão pode ter custos para a sua saúde mental. Neste caso que só não atingiu dimensões mais graves por causa da corajosa desobediência de quem trabalho no terreno, Graça Freitas errou e persiste no erro, com a condescendência do Governo.
.
in "Público"
27.10.2020.

Sem comentários: