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30 agosto 2020

A falácia do sucesso...

...no título do artigo que escreveu
no "Espaço Público"
no dia 27 de Agosto 
no "Público".
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José Ferreira Gomes
Prof. Catedrático da Universidade do Porto
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O efeito desta política de facilitismo é, a prazo, a desvalorização
dos diplomas e a valorização das redes familiares e sociais
(e políticas) de apoio
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Como lhe compete, o ministro Manuel Heitor congratula-se com o aumento do número de estudantes a chegarem ao ensino superior nesta anoa de covid-19. Depois envereda por uma narrativa muito criativa de justificação que vão desde o reconhecimento dos jovens dos méritos de estudar até ao efeito do desemprego. Esta nuvem de fumo tenta encobrir a razão principal, o facilitismo dos exames do secundário. A pressão já visível nos últimos anos para que os padrões tradicionais fossem abandonados aproveitou as condições especiais deste ano para ultrapassar tudo e dar prémios a todos.
Infelizmente, um prémio para todos é o mesmo que deixar de premiar quem merece, e é esse o estado a que chegamos. Promete-se uma entrada no ensino superior equivalente a 90% da geração de 18 anos. Seria motivo de congratulação se o ensino secundário tivesse conseguido entusiasmar 90% dos alunos e se a nossa economia estivesse em condições e absorver 90% dos jovens em actividades associadas com um diploma do ensino superior. Infelizmente, nenhuma destas hipóteses é verdadeira e estamos a criar falsas expectativas  numa geração que vai culpar-nos daqui a poucos anos pela enorme frustração que inelutavelmente vai sofrer. Estamos a encubar um aumento dramático da já elevada emigração qualificada jovem e a criar fortes desequilíbrios na sociedade. Vamos mostrar a esta geração que afinal não valeu a pena estudar e que melhor fariam ter-se inscrito e trabalhado no partido certo para subir na vida!
(...)
Em Portugal não foi dado maior peso às notas internas (apesar da recorrente queixa das enormes desigualdades entre escolas, mesmo entre as estatais.) como foram criadas regras especiais para garantir que todos tinham boas notas nos exames, apesar das falhas na sua preparação. E, finalmente, o ministro Manuel Heitor pode regozijar-se  com os resultados: 90.000 jovens  chegarão ao ensino superior. Não, não teremos ainda  90% da geração a entrar imediatamente no superior: andávamos pelos 40% e damos um passo seguro para forçar a promessa  dos 60%. E isto seria muito bom se fosse o resultado de um processo sério do reforço da qualidade do secundário e se o superior fosse já capaz de absorver estes jovens em linhas de educação e formação suficientemente diversas e ajustadas às realidades da nossa sociedade. Mas nada foi feito nesse sentido. Não se conhece um único impulso para que as linhas de educação e formação no secundário e no superior sejam mais diversas sem deixar de ser exigentes."
(...)
O efeito desta política de facilitismo é, a prazo, a desvalorização dos diplomas  e a valorização das redes familiares e sociais (e políticas) de apoio. Baixa o peso do diploma e sobe o valor da "cunha". A promoção social pelo estudo é prejudicada, reforçando-se a garantia de sucesso aos mais bem ligados pela rede de "apoio informal". Num país desigual, estamos a reforçar as condições para a transmissão desta desigualdade para as gerações futuras.
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José Ferreira Gomes
in. "Espaço Público"
27.08.2020
com o título "A falácia do sucesso nas candidaturas ao ensino superior"

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