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24 setembro 2019

O Amor e a Saudade...

Um poema de
Eugénio de Castro
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Eugénio de Castro
(1869-1944)

.
O Amor e a Saudade 

O Amor teve uma filha à qual chamou Saudade. 

Vendo-a crescida
Vendo-a na idade
De entrar na vida,
Disse-lhe assim um dia:

  "Envelheci; no meu jardim cai neve...
   Já sinto a alma fria,
   E no corpo entrará também o frio em breve...

   De noite vejo só negrumes de ataúdes;
   Tudo é inverno p'ra mim; abril, acho-o grisalho...
   Velho e doente, é justo, filha, que me ajudes
   No meu trabalho.

   Auxilia-me pois! Quando os amantes,
   O seio contra o seio,
   Enleados estão em tão suave enleio,
   Que as longas noites tomam por instantes,
   Ao pé deles me querem sempre, e assim, 
   Se p'ra deixá-los, já cansado estou,
   Começam a chamar por mim,
   A perguntar-me para onde vou...
   Nunca me deixam, nunca estou tranquilo!

   Como o trabalho é rude, de hoje em diante.
   Devemos reparti-lo,
   Que eu já me sinto fraco e vacilante...
   De hoje em diante, irei deitar os namorados,
   Mas tu, Saudade, junto deles ficarás,
   E ao chamarem por mim, em gritos sufocados,
   Fingindo a minha voz, tu lhes responderás...

   Fazem-me louco as noites mal dormidas,
   E assim já poderei dormir um pouco,
   E recobrar até as minhas cores perdidas...
   Vamos! O velho sol já se extinguiu
   E a lua branca rompendo vai..."

E a Saudade partiu
Atrás do Pai... 

Desde essa noite azul, ébrios de pasmo e dor,
Os que se beijam com ansiedade
Adormecem ao pé do Amor
E acordam junto da Saudade...                            
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Eugénio de Castro

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