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11 abril 2013

Mário Brandão...

Recebi, em fins de Janeiro último, um mail que me encheu de esperança pois abria-me o caminho para reencontrar um Amigo que não via há muitos... mas mesmo muitos anos!.
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"Boa Tarde
Sou filha do Tenente Coronel Mário Brandão, e gostei muito de ler a notícia que escreveu sobre o meu pai. O meu e-mail é : xxxxxx @ ooooo.yyy se me quiser responder.
Atentamente
Maria Adelaide  Galhardo Brandão Rodrigues dos Santos"
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Claro que eu quiz responder...

DrªMaria Adelaide Galhardo Brandão Rodrigues dos Santos
Directora da Biblioteca Municipal de Penafiel

Olá, D.Maria Adelaide
Com toda a certeza, não faz a mais pequena ideia da emoção que senti ao ler as palavras que ontem me enviou…
Fui Amigo de seu pai, o Mário Brandão, com quem convivi de perto, durante dois anos, na JUC da rua da Cedofeita.
A vida desandou para todos nós, naquela época de 1956/58, cada um tomou o seu rumo e o certo é que nunca mais tive notícias dele, nem do seu tio José da Paz desde essa altura…
E já lá vão 55 anos.
Há dois ou três anos, encontrando aqui em Setúbal um antigo aluno meu que esteve muito tempo radicado em Macau, ouvi-o mencionar o nome de um médico que ali tinha conhecido.
Esse médico tinha o “estranho” nome de José da Paz… um nome muito pouco comum.
E logo me lembrei do nome do seu tio… Como o mundo continua a ser muito pequeno, a conversa continuou e veio a terminar com a certeza, da minha parte, que eu e esse meu antigo aluno estávamos falando da mesma pessoa.
Creio que foi esse antigo aluno que me deu a notícia de ter já falecido esse médico que ele tinha conhecido em Macau…
Foi o seu primo José, a quem me dirigi por e-mail, que me confirmou uns dias mais tarde que, na verdade, se tratava de seu pai.
Nessa mesma “comunicação” ele fez o favor de me convidar para assistir ao lançamento do livro onde narra a história vivida pelo Zé da Paz, em Moçambique… o Anjo Branco.
A ideia de poder rever, nessa altura, o Mário Brandão levou-me a não faltar ao encontro marcado na Sociedade de Geografia de Lisboa. Não tive sorte… O seu Pai não pode estar presente.
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Gostaria de poder contactar com ele e recordar esses tempos antigos de tão boa memória…
Gostaria de saber como ele é agora, ao fim destes anos todos… A imagem com que fiquei dele é a de um jovem de vinte e poucos anos. Neste momento, creio que bem poderíamos passar um pelo outro sem que nos conhecêssemos… Mas o Mário Brandão que ficou na minha mente é o Mário Brandão de Penafiel que tinha vinte anos e esbanjava a boa disposição que “fabricava” constantemente. Algumas das suas “ideias” mirabolantes resultavam em boas gargalhadas e ainda hoje as lembramos quando calha recordar, com meu irmão Olímpio, esses bons velhos tempos no lar da JUC, da Cedofeita.
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Fico à espera de um contacto com ele e fico-lhe muito grato, a si, pela ideia de me ter enviado esta mensagem recordando um bom Amigo que tive no Porto
Com a maior consideração
jjmatos
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Ia decorrido metade do mês de Fevereiro recebi um novo contacto que, desta vez me desesperou...
"Procedo ao envio de uma notícia que saiu nos Jornais locais, relativa ao falecimento do meu pai."
 
O Mário Brandão da JUC
numa foto de há poucos anos
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 Esta foto ilustrava a notícia da sua morte num jornal de Penafiel.

"Faleceu em Penafiel no passado dia 3 de Fevereiro de 2012, com 74 anos de idade, o Tenente-coronel Mário Alfredo Brandão Rodrigues dos Santos.
Uma das maiores dores, é a separação de pessoas de valor que naturalmente admiramos, e é humano sofrer com essa morte física quando nos tiram alguém com dedicação à vida por uma causa justa..."
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Conformado com a notícia entrei em contacto com a filha do Mário Brandão enviando-lhe uma pequena mensagem onde lhe expressava o meu sentimento:
"Fiquei pesaroso quando soube que o encontro com o seu Pai já não pode ser "cá em baixo"... Dei comigo a chorar quando li a notícia que me enviou... Mais uma figura boa que se cruzou com a minha juventude partia, sem me dar hipótese alguma de voltar a vê-lo, de dar-lhe um abraço, de recordar com ele dois belos anos que passámos naquele casarão da rua da Cedofeita." 
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Duas fotografias que aqui reproduzi em 17 de Dezembro de 2010, ao recordar as instalações do Lar da JUC, estiveram na raíz desta aproximação. Creio que já depois da morte do Pai, a DrªMaria Adelaide foi dar com uma fotografia antiga em que este estava acompanhado por dois colegas e amigos que com ele se davam mais de perto: eram os seus companheiros de quarto, Olímpio e João José Matos.
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O Olímpio, o Mário e o jjosé 
na nesga de telhado que servia de "parapeito"
à janela do quarto que ocupavam, no último piso
do velho edifício da rua da Cedofeita

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Um recanto de estudo com as secretárias.
A "papelada" colada na parede era obra do Mário Brandão... desenhos orientados das mais diversas maneiras e, até, de cabeça para baixo! Também havia desenhos daqueles, colados no teto!!...
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Na parede oposta a esta, naquela onde as cabeceiras das camas se encostavam, havia uma imensidade de "campas" de mosquitos... Com frequência tínhamos a companhia destes "dípteros" inqualificáveis que não se limitavam a "chuparem-nos" o sangue, mas faziam também aquele zumbido "infernal" que não nos deixava entrar no sono.
Era então que o Mário Brandão começava a "refilar". Acendia a luz, pedia ajuda aos parceiros que também não dormiam com "aquela música"  e eis-nos todos, de travesseiro na mão (ou qualquer "arma" mais apropriada. como um qualquer sapato que estivesse ali à mão ou mesmo as sebentas, que até podiam ser de Álgebra ou de Zoologia Sistemática...).
A caçada só terminava quando não se ouvisse o mais pequeno zumbido! E a parede por cima das nossas cabeças... ficava cheia de "cadáveres" ensanguentados!
Uma parede branca manchada com o sangue "fresco" que aqueles "pequenos Vampiros" nos tinham sugado momentos antes.
Depois, o Mário ia buscar a caneta e fazia um círculo à volta de cada mosquito "abatido"... Junto ao círculo desenhava uma cruz e por baixo da cruz escrevia quase sempre uma efeméride... Mosquito abatido no dia tal às tantas horas! Havia ordem para que as irmãs que tratavam da arrumação do Lar não limpassem aquele campo de batalha e, ao fim de alguns tempos, eram às dezenas as "campas" que preenchiam a parede junto à qual ali dormíamos...
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Não havia "cão nem gato" que visitasse o lar da JUC que não fosse levado ao nosso quarto para se rir com as anedotas espalhadas pelas paredes e pelo teto e para ver o "vasto cemitério" dos mosquitos.

Dezembro de 1965 - Em Macau

Em 1958, o Mario Brandão já tinha a mesma figura e
é assim que recordo o Amigo, que nos deixou há um ano.
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Está descansado, Mário Brandão, que eu não vou dar com a lingua nos dentes sobre as caçadas aos ratos pequeninos que visitavam o nosso quarto, deslocando-se ao longo dos roda-pés, nem das latas vazias de Ovomaltine onde os fazias cair sem esperança de retorno... E muito menos vou referir o que lhes sucedia após o "julgamento".
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Tenho pena de não ter fixado em fotografia alguns destes episódios que a memória me recorda! Ainda não havia máquinas digitais e a minha Kodak utilizava rolos só com oito fotografias. E eram caros...
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Vai comprido este texto e há ainda muitas coisas para recordar. Vou terminar aqui, mas com a promessa de voltar ao mesmo tema dentro de algum tempo... Não vou esquecer!

3 comentários:

Olímpio Matos disse...

A cada ano que passa vamos ficando mais pobres, com a perda dos amigos que fizemos na melhor época das nossas vidas. A minha saudade do Mário Brandão vai estar comigo até ao fim. O meu abraço para a filha abarca toda a família daquele que durante três anos foi meu amigo e companheiro de quarto durante a nossa vida de estudantes no Porto.
Até breve, Mário Brandão .
OMMatos

Anónimo disse...

Obrigada pelo seu comentário, é sempre muito bom ler ou ouvir falar sobre o meu pai, um homem que considero extraordinário, e de quem tenho muitas saudades.

Maria Adelaide Galhardo Brandão Rodrigues dos Santos

Unknown disse...

O que chorei ao recordar as façanhas deste senhor. As "travessuras" não deixaram de ser feitas mesmo com o avançar da idade assim como o bom coração para com os outros.
Carina