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14 fevereiro 2021

Obrigado, António Salvado...

...cá recebi os teus livros que agradeço.
Eles fazem parte do "cordão umbilical" que me prende à nossa terra comum.
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António Salvado
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Gostei de ambos e fiquei preso à leitura que fiz daquele em que transcreves, em Mirandés, 
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Aqui deixo esta capa, para memória futura.
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E aqui deixo também a dedicatória que tens a bondade de me oferecer.

Obrigado, Tó Salvado.
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Vou deixar aqui a reprodução de um poema escrito em Mirandês.
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Clarones
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An que oulor a scoba
oulor de rosmanino,
              como un bechico
arreculhida bibies     consumindo
ls piolos de l siléncio     quelorido -
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i an lasca de cantarie
ou fuolha de xistro
l miu ser crecie
cumo bicho houmilde
a spormentar bencir
ls purmeiros clarones de l camino -
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só isto nós faziemos
até mos aucuntrarmos i querermos.
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(in Entre as pedras e o verde, 2004)
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O segundo livro pertence a uma série já iniciada há muito tempo, antes de 1994.

Capa do Livro "Leituras XIII"...
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... e a sua dedicatória sempre simpática.
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Mais um agradecimento por esta amizade 
com "quase oitenta anos" de vida.
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Este Livro foi dedicado pelo António Salvado:
"À memória 
do Dr. José Lopes Dias
e do Eng. Manuel da Silva Castelo Branco,
distintos investigadores da vida de
João Rodrigues de Castelo Branco."
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Deixo aqui alguns excertos do texto deste livro que não passa de uma "carta enviada"
pelo poeta António Salvado a um outro que tem o nome de João Roiz de Castelo Branco.

" Meu caro João Roiz: chamo-te assim, na forma diminutiva do teu nome, pois foi esta que se generalizou, por tradição, embora no "Cancioneiro Geral de Resende" e encimando os teus poemas surja Rodrigues; designação que também eu respeitei na edição que elaborei das tuas composições: Poesias Completas de João Rodrigues de Castelo Branco - poeta do "Cancioneiro Geral de Resende". E a forma Roiz fixou-se, também, por se encontrar associada a um poema teu, considerado a jóia do lirismo português: a celebérrima "Cantiga sua partindo-se".
Caro João Roiz: "se lá no assento etéreo onde subiste/ memória desta vida se consente...", para me encostar a dois versos do nosso camarada Luis Vaz de Camões, tenho a certeza de que, nessa ilimitada dimensão do infinito, onde já nada te perturbará, lerás com algum interesse a missiva que começo a escrever-te. E escrevo-la, não porque irei revelar novidades marcantes no itinerário da ta vida, mas antes pelo pressentimento de que concordarás com algumas hipóteses que formulo ou de que conseguirás resposta para muitas interrogações que estabeleço.
(...)
"... permite-me João Roiz, que tente tornar "palpáveis", e com apelo ao que escreveste e ao que indubitavelmente se sabe da tua vida terrena, coordenadas que ajudarão a conhecer-te melhor, afastando na medida do possível, neblinas que te obscurecem a figura.
Reportando-me, então, ao acto da tal inauguração, um grupinho muito jovem de meninos e de meninas surgiu junto à escultura, soletrando, com melífluas vozinhas, a tua lindíssima "Cantiga partindo-se", sem perceberem (estou certo) patavina do que estavam a palrar.
Ah, João Roiz, meu amigo, há que ter muito cuidado com certas atitudes e respectivos enquadramentos e não admitir que a tua composição (a "jóia do lirismo português" , como alguém lhe chamou) se banalize, seja qual for a razão do recurso à mesma! 
(...)
Uma vez em Castelo Branco e, com coragem, terás procurado esquecer, na medida do possível, amorios passados. Resolves equilibrar a tua situação financeira casando com senhora fidalga e rica. Adquires a seguir uma "fazendinha" de bons lucros, tornas-te depois lavrador, dás origem a 4 filhos e duas filhas e... a um outro filho fora do casamento e que protegeste fazendo-o tabelião... O trabalho nas terras adquiridas para além do rio Ponsul, e que te proporcionavam um bom rendimento, deixavam-te tempo para, com os teus amigos, te dedicares à caça, à pesca e a mais diversões (algumas até secretas, sei lá se com "perras" à mistura...)...
Permite que eu assevere que a tua existência, que o teu percurso por aqui movimentaram-se em permanentes oscilações e em constantes dúvidas por parte da posteridade... E esta indiscutível verdade sintonizou-se com afinco nos teus últimos anos de vida, principalmente no último, e até um ano após a tua morte.
Recordemos alguns documentos que mencionam o teu nome e que oferecem largo interesse em vários aspectos. Dois são escrituras de compra e venda de parcelas duma grande propriedade (da qual já possuirias metade); e na segunda surge o nome da tua mulher: D. Catarina Vaz (Carrasco de Sequeira), senhora da melhor fidalguia albicastrense e muito abastada. Por esta indicação, ficámos a conhecer novos e abundantes laços familiares, teus e de teus filhos, claro. Um outro documento é uma carta de nomeação régia e constitui o primeiro de três provimentos da Chancelaria de D.Manuel - duas nomeando-te para o cargo de contador da comarca e almoxarifado da Guarda. Mas parece que à data da concessão do alvará (22 de Abril de 1515), tu, João Roiz já exercerias o cargo interinamente (talvez por doença do titular); e o diploma real estabelece-te o vencimento de 17186 reais. O outro documento, 3ªnomeação (definitiva) de 21 de agosto de 1515, chama-te fidalgo da Casa d'el Rei, enaltece-te os serviços prestados (interinos?), afirma que desempenhavas bem o cargo e que, para o efeito, até fizeste juramento sobre os Santos Evangelhos... Porém agora, o valor do vencimento passaria para 1500 reais... E, se chegaste a tomar posse do cargo como verdadeiro titular, o tempo de funcionário não terá durado mais do que um mês, pois, pelo documento que chamarei a seguir já faleceras em 23 de Outubro.
Quanto ao derradeiro documento interessa-nos por várias razões: primeiro por ser o único que dá conta da tua morte e da substituição no cargo, por um tal Fernão Pinto e, depois, porque nele, e após o teu nome, aparece a enigmática expressão "Que Deus perdoe"..., expressão que emerge a que propósito? Afinal, caro João Roiz, Deus teria de perdoar-te o quê? Participaste em algo condenável no desempenho de contador d'el Rei? Delapidaste bens da coroa? Foi reprovável a tua administração?
(...)
Às vezes imagino-te, lá nessa dimensão infinita, e tendo ao lado a rapariguinha a que chamaste "Senhora" (obrigada, talvez, a separar-se de ti e a sacrificar-se a qualquer mas determinante exigência paterna...), a dizer-lhe o comovente e sofrido adeus de teus olhos tristes, em despedida tão enternecidamente encantadora:

Senhora, partem tão tristes
meus olhos, por vós, meu bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tão tristes, tão saudosos,
tão doentes da partida.
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida

Partem tão tristes os tristes,
tão fora de esperar bem,
que nunca tão tristes viste
outros nenhuns por ninguém.
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Meu caríssimo João Roiz: por aqui me fico. Antes, porém, quero ainda recordar-te que a posteridade, fascinada pela indubitável originalidade da tua "Cantiga partindo-se", divinizou-te o nome, quase esquecendo o mais (que, em dimensão, pouco é...) da tua obra, "esculpindo-te" como o exemplar vate do amor e da saudade a lacrimejar em sentidos versos... Mas tu, João Roiz, foste um Homem de carne e osso, com um percurso de vida pleno de atropelos, de desilusões, de dissabores, vítima quantas vezes (estou certo) de invejas e de má vontade. Mas a tudo soubeste responder com desassombrada resistência! Os meses que precederam a tua morte (n'aquilo que os preencheu) continuam a ser para mim, um mistério... E mesmo a tua morte, e também para mim, um redobrado mistério continua a envolvê-la...

Teu do coração
António Salvado" 
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E assim termina esta carta que o António Salvado escreveu 
a um poeta que viveu no Século 16.
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Não te admires se, dentro em breve, receberes uma resposta do poeta que te antecedeu em Castelo Branco.
Parabéns, António Salvado!... Gostei de ler este teu livro que evidencia o teu espírito crítico que sempre te conheci.
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Fico à espera do teu próximo livro...
Um abraço do 
jjmatos
um João de Castelo Branco

2 comentários:

Eliseu Gomes disse...

Estou ou melhor, não cá estou depois de ler a carta de António Salvado, pois estou em crerr que João Rooiz de Castelo Branco lhe vai tentar responder. Só temos, porque as minhas faculdades só por si, não têm hipotese de conseguir ler no etéreo diziz eu que estar atentos. Queria agradecer ao nosso poeta albicastrense a alegria por esta carta.
Nunca gostei de poesia, por incompetência, mas desde rapaz da EICCB, fiquei marcado para o redto da vida por dois pormas. Este da Partida e um outro Alma minha gentil..
Vou tentar encontrar o livro XIII


Eliseu Gomes disse...

A figura de Joao Roiz sempre me deslumbrou desde os meus 12/13 anos quando estudante da Escola Industrial e Comercial frequentava o parque inferior e ficava a ler e reler o poema que estava inscrito numa pedra (?).Ainda existirá esse monumento?
Eram dias tristes esses domingos em que eu ficava sozinho na cidade, pois apesar da mina aldeia ficar a menos de 10 km não podia lá ir todos os fins de semana pois o orçamento dos meus pais não o permitiam.
Assim a leitura daquele poema era um refúgio, que contudo não me me criou o gosto pela poesia que infelizmente não consigo por ignorância compreender.
Desse tempo apenas ficou o poema do João Roiz e alguns (poucos) poemas de Camões. Pouca coisa para tanto esforçoaterial dos meus pais ainda com a agravante de durante estes quase 60 anos não conseguir decorar o poema. Existem uns versos que não me pegam.
Gostaria de ter o livro Leituras XIII do António Salvado, mas nem aqui tenho tido arte para lhe ter acesso.