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20 setembro 2020

Ficam com mancha...

... no Público de ontem
no Espaço reservado a 
José Pacheco Pereira.
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José Pacheco Pereira
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Não se mistura "honra" com mundos muito pouco honrados. 
Como [os políticos na comissão de Vieira] não se retractaram, ficam com uma mancha.
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... Porque senão eles tornam-na num ataque contra a democracia, usando como pretexto a corrupção, que lhes é verdadeiramente indiferente. Mais do que nunca, temos de ter uma conversação rigorosa, dura, intransigente, mesmo impiedosa sobre a corrupção. 
Por vários motivos: um, estrutural, porque a corrupção é endémica em Portugal; outro, de circunstância: porque vem aí da Europa o alimento da corrupção, milhares de milhões de euros. Já se vêem os bandos de pombos atrás do milho. Por último, porque nada mais fragiliza a democracia nos dias de hoje do que a corrupção num debate público envenenado pelas redes sociais, com a crise de toda a informação de qualidade, mediada e séria ser substituída pelo clamor populista e pela crise colectiva da "educação para a cidadania" dos seus cultores...
Comecemos pelo carácter estrutural da corrupção em Portugal nos dias de hoje. O que é que se pode dizer quando temos enredados na justiça, arguidos, acusados, indiciados, toda a panóplia de graus de indiciação, um antigo primeiro-ministro, vários ex-ministros, vários secretários de Estado, autarcas, , dirigentes da administração pública, , militares de altas patentes, responsáveis policiais, juízes, procuradores, dirigentes desportivos de grandes clubes, empresários, gestores de topo, deputados, banqueiros, personalidades do jetset, génios das tecnologias, uma multidão de medalhados, doutorados, homenageados, por aí adiante? Quem é que escapa?
O que aconteceu é que toda esta gente se encontrou uma ou mil vezes perante uma tentação a que não resistiu, ou que acolheu de braços abertos, que nem chega a ser tentação, felizes pelas oportunidades de ganhar dinheiro ilegalmente, de fugir aos impostos, de vender ou comprar um favor, de roubar com colarinho branquíssimo, de usar os seus conhecimentos nas altas esferas e os melhores conselheiros no mercado, para defraudar os "parvos" dos outros. Tiveram oportunidades, e criaram oportunidades e é a facilidade com que isto aconteceu, e a fila enorme de gente importante que foi lá buscar o seu quinhão, que mostra que não é um problema de meia dúzia de corruptos, mas do "meio" que facilita o crime, ou seja, é estrutural e não conjuntural. Eles vivem no "meio" e são o "meio".
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Isto significa que não se pode fazer nada? Bem pelo contrário, pode até fazer-se muito, mas de um modo geral não é o que habitualmente se faz na resposta pavloviana à pressão populista. O populismo é contraproducente para combater a corrupção; pelo contrário até a reforça. Não é aumentar as penas, não é diminuir as garantias do Estado de direito, não é oscilar entre a complacência e a intransigência. É pensar de uma ponta a outra a administração, das autarquias aos ministérios, é cortar radicalmente os milhares de pequenos poderes discricionários que por aí existem, obrigar a que sejam transparentes e escrutináveis muitos processos que nada justifica não serem públicos. Agora, que vêm aí vários barris de dinheiro, é vital que tal se faça.
Mas é também dar o exemplo, de que não se mistura a "honra" com mundos muito pouco honrados. Por isso é que a participação do primeiro-ministro, do presidente da Câmara de Lisboa. e de vários deputados num acto de promiscuidade com o poder fáctico do futebol é muito grave, porque significa indiferença face à corrupção, numa altura crítica do seu combate. Como não se retractaram, ficam com uma mancha.
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in "Público
19.09.2020

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