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07 dezembro 2018

Se houvesse Correios em Caria...

...Um desabafo cheio de razão!
Da autoria de Fernando Camilo Ferreira
sabendo que a sua "carta" não chegaria a Belém… 
pelas vias normais
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Fernando Camilo Ferreira
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Se houvesse Correios em Caria, 
mandava esta carta para Belém:

Sr. Presidente,
Escrevo-lhe de Caria, vila de mais ou menos 800 habitantes, no Concelho de Belmonte, à beira da Serra da Estrela. A vida aqui é boa. Aqui, tudo o que a terra dá é bom. O resto, nem por isso.Anunciaram-nos há pouco que a GNR vai passar a funcionar apenas das 9 às 5, para assuntos administrativos. A mim parece-me mal. Por um lado porque, se é para tarefas administrativas, não precisamos da GNR: Temos alguns rapazes e algumas raparigas que ainda não foram para a Suíça, sequer para Lisboa, nem mesmo para a Covilhã. Sabem mexer num computador e, por um salário modesto, podem cumprir as tarefas administrativas que a GNR vai cumprir. É só poupança para o Estado. Só em fardas, bote-lhe a conta. E em pistolas, que ainda por cima escusam de ser roubadas, que é uma coisa que acontece, nem se fala. Para não falarmos no quartel que, só em luz, deve custar para cima de um dinheirão. Tenho a certeza de que a Junta arranja lá uma salinha para os pequenos, como já fez para instalar uma espécie de Correios que é o que temos desde que fecharam os verdadeiros.Aqui tudo fecha. Quer ver? Temos um Centro de Saúde, com um médico dedicado, competente e paciente, que é o que se quer. Ele farta-se de dizer, como na televisão, que temos de nos vacinar contra a gripe. Mas no Centro não há enfermeiro e, portanto, não há quem dê a injecção. Quer dizer, não há sempre, que à Terça-feira vem cá uma senhora colher sangue para as análises que o Doutor manda fazer e acho que também dá injecções. A senhora enfermeira, acho que é enfermeira, trabalha para uma empresa muito grande, a quem o Governo paga para fazer o que o Governo não quer, ou não pode fazer por nós. Dizem que sai mais barato, mas eu duvido. E, quando tínhamos enfermeiro no posto, ele dava as injecções, fazia curativos, ajudava os mais velhos e evitava um grande gasto em ambulâncias para ir às urgências à Covilhã de cada vez que alguém escorregava na calçada. Se calhar, se fizessem as continhas todas, ia-se ver e até saía mais em conta.Como já disse, também fecharam os Correios. E, agora, também fecharam os de Belmonte. Agora, se quisermos ir ao correio, temos de ir à Covilhã. São 13 km. O que não há é transportes. Há tempos, fecharam a linha do comboio da Beira Baixa, e perdemos o transporte que tínhamos para a Covilhã ou para a Guarda. Um taxi para a Covilhã custa para cima de 17€, 34€ com a volta. E, ainda por cima, temos de ajudar a pagar os transportes lá de Lisboa e do Porto, uma coisa que eles lá têm, passe social ou lá o que é. Veja o Senhor que, dantes, quando os Correios pertenciam a todos e davam lucro, uma carta era deitada no correio num dia e, no dia seguinte, estava aqui na caixa de cada um. Agora, a conta da água, para vir de Belmonte a Caria, 7 quilometrozitos de coisa nenhuma, demorou, em Outubro, 11 dias e toda a gente, que por aqui é quase sempre de boas contas, passou pela vergonha de pagar fora do prazo. A GNR aqui faz-nos muita falta. Os soldados já não são como eram dantes, assim macambúzios e barrigudos. Coitados, não sabiam mais. Não senhor. Agora são assim uns rapazes bem apessoados (e raparigas também, já mo afiançaram, mas aqui nunca apareceu nenhuma, mas eu cá acho bem), de boas falas, muito amigos de ajudar quem precisa. E, com aqueles carros a dar a volta à vila, com a pistola no cinto, sempre metem respeito.E depois há outra coisa. Nós precisamos de muita coisa, nestas terras. Mas aquilo de que mais precisamos são pessoas. Gente nova. Os Correios, a GNR, um enfermeiro, um ou dois professores. Porque precisamos de que a menina dos correios se embeice por um soldado da GNR, que o enfermeiro engrace com uma das professoras, e que se volte a namorar na nossa terra. Disso é que precisamos.É por isso que lhe escrevo. Para lhe pedir um favor. Aí em Lisboa há muitos soldados da GNR. Se precisarem de mais soldados noutro sítio, mandem os que aí estão. Eu também gosto de ver a fanfarra da GNR a desfilar à frente do carro do Sr. Presidente. Mas, em tempo de necessidade, vão-se os anéis e fiquem os dedos. E os anéis são os seus tocadores de charamelas e timbales. Os dedos são os nossos soldados, que são hoje a única recordação que temos de que aqui também é Portugal.  
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NB - Não sei se o Sr. Presidente chegou a ler esta missiva… ou por que meios lhe terá chegado às mãos. Será homem para satisfazer tais desejos?!... Que são bem justos...      

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