Páginas

16 setembro 2017

As licenciaturas honoris causa...

Hoje, dia 16 de Setembro
na página de
João Miguel Tavares 
in Público...
.
João Miguel Tavares
.
Apenas alguns excertos:
"Os doutoramentos honoris causa existem em todo o mundo. As licenciaturas honoris causa só existem em Portugal. Depois de José Sócrates, depois de Armando Vara, depois de Miguel Relvas, eis que chegou a vez de o comandante nacional da Protecção Civil ser apanhado na posse de uma licenciatura de abrir o pacote e juntar água. Rui Esteves já se demitiu, para infelicidade do próprio e felicidade do Governo, que queria correr com ele depois do desastre de Pedrógão.É uma ironia portuguesa: em vez de ter sido demitido pelos erros cometidos a fazer o seu trabalho, demitiu-se por causa dos erros cometidos a fazer a licenciatura de que precisava para trabalhar.
Há duas dimensões diferentes neste problema, ambas lamentáveis. A primeira é a trafulhice académica. Durante muitos anos, o espírito Novas Oportunidades andou à solta pelo país, e tirar uma licenciatura tornou-se mais fácil do que tirar a carta de condução. Desde que o aluno tivesse "conhecimentos", bastava-lhe assistir a duas aulas, pedir três dúzias de equivalências com base na "experiência profissilonal", fazer uma oral distendida com um professor amigo, entregar um par de projectos ", e já estava. O trabalho intelectual era substituido pelo trabalho administrativo. Foi assim que estabelecimentos manhoso andaram a ganhar a vida durante anos a fio, aproveitando a expansão do ensino superior para expandir as fronteiras da cunha, essa grandiosa especialidade nacional.
Só há uma outra especialidade nacional, e não menos grandiosa -- a parolice do canudo e a necessidade de todos sermos doutores, mesmo em áreas em que a experiência no terreno é infinitamente mais importante do que o cálculo integral ou as curvas de titulação.
(...)
Tristemente, a lei portuguesa passou a exigir, no domínio da protecção civil, que as dezenas de comandantes operacionais do país  possuissem uma licenciatura. Notem: não uma licenciatura em Protecção Civil, que garantisse o profissionalismo de uma área fundamental de intervenção do Estado- uma licenciatura qualquer.
Vale a pena citar o primeiro ponto  do Artigo 22 do Decreto-Lei 73/2013 (sucessor de uma le mais antiga, que estabelecia uma transição de dez anos nesta área), àcerca as regras de recrutamento para a Protecção Civil: "O recrutamento do Comandante operacional nacional e do segundo comandante operacional nacional, dos adjuntos operacionais nacionais, dos comandantes operacionais de distritais é feito de entre indivíduos que possuam licenciatura e experiência funcional adequadas ao exercício daquelas funções.
Mesmo com "experiência funcional" , o resultado é óbvio: um licenciado em Estudos Asiáticos com três meses a segurar uma mangueira pode ser comandante da Protecção Civil; um não-licenciado com décadas de experiência não pode.
(...)
O licenciado Rui Esteves--nova ironia-- foi um dos principais responsáveis por esse trabalho. Tal como no totoloto, a culpa merece uma tripla : é de Rui Esteves, é do Politécnico de Castelo Branco, que lhe concedeu a licenciatura; e é também  de um Estado que estimula a falcatrua através de leis insensatas.

Sem comentários: