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12 julho 2013

Dor de alma...

Um poema de
António Gedeão
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António Gedeão
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Dor de alma
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Meu pratinho de arroz doce
polvilhado de canela!
Era bom mas acabou-se
desde que a vida me trouxe
outros cuidados com ela.
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Eu, infante, não sabia
as mágoas que a vida tem.
Ingenuamente sorria,
me aninhava e adormecia
no colo da minha mãe.
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Soube depois que há no mundo
umas tantas criaturas
que vivem num charco imundo
arrancando o arroz do fundo
de pestilentas planuras.
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Um sol de arestas pastosas
cobre-os de cinza e azebre
à flor das águas lodosas,
eclodindo em capciosas
intermitências de febre.
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Já não tenho o meu engodo,
ó mãe, nem desejo tê-lo.
Prefiro o charco e o lodo.
Quero o sofrimento todo.
Quero senti-lo, e vencê-lo.
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António Gedeão
in. teatro do Mundo/1958

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