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12 agosto 2011

Sabe ele o seu português?

Muito interessante este artigo publicado
hoje no "Espaço Público", por Carlos Reis
Professor da Universidade de Coimbra.

Prof.Carlos Reis

Reproduzo apenas alguns excertos que me parecem relevantes.

"Duas observações necessárias: no que toca à questão da presença da literatura nos programas e no ensino do Português, subscrevo quase tudo o que foi dito pela minha colega Helena Buescu (*), em texto publicado a 31 de julho passado."

"A verdade, entretanto, é que colhi daquele trabalho uma experiência muito rica, com a ajuda de pessoas competentes e experientes. A par disso, pude conhecer melhor excessos e disfunções que dramaticamente têm afetado o ensino do Português. E que, para tudo dizer, impediram (porque é considerável o peso de uma doxa pedagógica vigente há três décadas) que se fosse mais longe do que eu desejava, na revisão de métodos e conteúdos que têm atravancado o caminho que leva àquilo que sintetizo assim: formar cidadãos que bem escrevam, bem falem e bem leiam, conscientes da relevância cultural do idioma e capazes de fruir os textos maiores que nele foram escritos. Tudo o mais está compreendido neste propósito abrangente; tudo aquilo que o prejudique ou negue corresponde à falência do sistema de ensino numa sociedade democrática.(...)

Com o devido respeito, formulo uma pergunta que talvez pareça provocatória: os professores de Português sabem português com a profundidade que se exige a quem ensina? Estudaram devidamente o idioma, a sua história, os seus cambiantes socioletais e as suas variações geolinguísticas? Dominam a gramática da língua e a sua terminologia? Conhecem os escritores que têm feito do português um grande idioma de cultura? Leram Sá de Miranda, Herculano, Camilo, Cesário Verde, Machado de Assis, Carlos de Oliveira, Agustina ou Luandino Vieira? Distinguem-nos dos pífios escritores da moda "consagrados" em livros escolares pouco criteriosos? Dispõem de instrumentos e de disposição para indagações linguísticas e literárias que vão além das banais ferramentas da Internet? As perguntas são embaraçosas, mas têm que ser feitas, mesmo sabendo-se que há exceções ao que temo seja a regra.(...)

Mas em parte também (em grandíssima parte) o problema tem uma origem, que é o modo como têm sido formados os professores de Português - e certamente os de outras disciplinas. Atenção: nesta triste história, eles são sobretudo vítimas e não tanto responsáveis. Estes encontram-se no pessoal político que, sem remorso que se perceba, determinou a criação de uma rede de ensino superior em função de pressões de circunstância, com dois subsistemas que competem entre si em vez de se complementarem, onde lecionam docentes não raro doutorados à pressão, com escolas de formação de professores colonizadas pelas ciências da educação e com universidades que sem pudor se deixaram "politecnizar" . Pelo que se sabe, vem aí uma reformulação da avaliação de professores. É esta uma excelente oportunidade para se começar a separar o trigo do joio e a dar sinais claríssimos às escolas e às faculdades de onde saem os professores de Português. E a sugestão, não sendo por certo politicamente correta, é simples: que se deixe para segundo e subalterno plano a parafernália das estratégias, das planificações, das competências e das metas e que se avalie o professor de Português sobretudo em função de uma singela pergunta que é paráfrase daquela que um dia alguém endereçou ao jovem Eça: sabe ele o seu português? Se a resposta for afirmativa, o resto virá por acréscimo.

Professor da Universidade de Coimbra

(*) Helena Buescu é filha de Maria Leonor Carvalhão (Buescu) que foi aluna do Liceu Nacional de Nun'Álvares e sobrinha do Dr. Henrique Carvalhão que foi médico no Hospital de Castelo Branco.

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