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06 outubro 2022

“Summer’s Lease”

 Num qualquer dia de Julho de 1997, escrevi um texto que voltou agora, vinte e cinco anos depois, aos meus olhos... que voltaram a lê-lo com interesse: 
Passou na TV, creio que no canal Hollywood, um filme que lembro de ter visto há já muito tempo. Penso que o título do episódio que vi era "O percurso de Urbino", de um filme chamado "Summer's Lease" (Arrendamento de verão) passado na Itália, na rota de Piero de La Francesca e dos seus maravilhosos quadros, relacionado com as "memórias" de infância da protagonista, Mrs. Mollycoddle, mulher de quarenta anos, com três filhas pequenas e um marido com o qual mantem um relacionamento respeitoso mas medíocre.
O pai, Mr. Heverford Pargeter, é um "senhor" da classe média alta, interpretado por Sir John Guielgud e que, sub-repticiamente, inferniza a vida entre a filha e o genro. Um diálogo entre ambos, à boca fechada, sentados numa sala onde estão presentes outras pessoas, é disso um bom exemplo.
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Sir John Guielgud

- Porque fez aquilo?
- Fiz o quê?
- Sabe muito bem! Conseguiu destruir o meu casamento. Porque lhe contou?
- Do casto beijo em Chancery Lane? Isso vai destruir o teu casamento?
- Pode achar graça. Todos se riem dos casamentos desfeitos, nos anos 60. Eu considero o meu um pouco mais sério.
- Palavra?
- Sim! Tenho sentido de responsabilidade.
- Coitado! Espero que melhores rapidamente. Posso dar-te um conselho? Em como voltar a estar nas boas graças da romântica Mollycoddle? Ela considera intolerável que o que fizeste com a bonita Tobias não passasse de um beijo sem paixão, na rua.
- Parece que sim.
- Diz-lhe que tiveste um caso apaixonado, não só com a bonita divorciada, mas com a rapariga do PBX e uma senhora fisioterapeuta de Fulham. Depois diz-lhe que preferes estar com ela do que com qualquer das outras. Isto ajuda-te?
- Sim, muito obrigado..."
Do ponto de vista da vida afectiva, o velho Pargeter tem um passado de "medalhas"...
Em certo momento, está de visita a uma velha companheira, Nancy Leadbetter, muito menos velha do que ele... muito mais rica, e dona do palacete onde decorre o diálogo, que é admirável em alguns momentos.
Na passagem, em grupo, da sala onde acabavam de jantar, para uma outra onde se dispunham a tomar o café e as bebidas e à medida que se deslocavam, o "velho" Parfeter dirigia-se à "velha Amiga" Nancy Leadbetter:
"- Há muitos anos, quando o Arnold ia comprar esta casa e te mandou vir cá vê-la, eu estava em Siena, alegadamente a escrever o meu "Oscar Wilde e a alma do socialismo" mas, na verdade, tinha vindo encontrar-me contigo.
- E então?
- Quê?
- Encontrámo-nos... Não te lembras?
- Lembro-me de vir cá, quando a casa não tinha mobília e estava no estado em que o velho Baderini a tinha deixado... Lembro-me do frio e do chão de pedra..."
Depois, já sentados, o "velho" Pargeter continua...
"- Deixaste-me seduzir-te naquele sítio (e apontava para o chão...) antes de haver um único tapete.
- Agora esta casa é demasiado grande para mim... demasiado grande para uma pessoa sozinha?
- Ando de um lado para o outro como uma ervilha num tambor.
- Para duas pessoas... Não estará na altura de recomeçarmos o que interrompemos?
- Que foi isso?
- Foi uma loucura... mas foi tão doce...
- Lembro-me vagamente de vir cá contigo quando a casa estava vazia.
- Disseste que estavas sozinha agora. Eu não me sinto só, mas o meu pequeno apartamento não ecoa quando ando lá dentro... O que quero da minha vida é...
- Que queres fazer
- Com licença... (e sai aflito...)"
Momentos mais tarde, num recomeço de diálogo, surge a seguinte conversa:
"Claro que me lembro daquele dia em que a casa estava vazia..." responde ela a uma alusão de Sir Heverford Parteger. E continua:
"Devia pôr uma pedra gravada no chão da sala: "Nancy Lead Better caiu aqui... e não se levantou durante algum tempo..."
Num outro momento, o "elegante e velho devasso", referindo-se à bebida que Nancy lhe acabava de servir teve uma frase, dita na passada, que merece ser referida: "Este café está frio como a castidade..."
Há diálogos neste filme que parecem encomendados. Convém referir a origem inglesa do filme e dos interpretes. Que falam um inglês a que nos habituaram Laurence Olivier, John Gielgud e toda aquela gente que passou por Old Vic. Um inglês perfeito... teatralmente perfeito!
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Sir Laurence Olivier
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Num dia, em que a protagonista, nas suas investigações, se desloca a Urbino sozinha, apenas na companhia de um velho casal amigo, Connie e Nicholas, que lhe ofereceu uma boleia até à cidade, há este diálogo que registo:
- "Onde gostaria de estar, em Urbino"?, pergunta a "velha amiga".
- "Sei onde servem peixe. Com batatas cozidas. Uma batata cozida dá muita energia..." acrescenta o marida daquela."
- "Prefiro passear sozinha, esta tarde. Espero que não pensem que estou a ser indelicada".
- "Claro que não!" atalha o velho companheiro. Aprendi essa lição no serviço consular. As pessoas não gostam quando começamos a meter o nariz nos assuntos deles... Importam-se muito mais do que em Inglaterra. Deve ser por causa do calor..."
Agora, é a Connie que toma a palavra e continua o diálogo que o marido interrompera, perante uma protagonista que, enigmática, apenas se limitava a ouvir, mantendo-se tanto quanto possível, fora da conversa.
- "Por vezes é uma tentação, não é? Intrometer-nos só um bocadinho... A vida das outras pessoas parece tão interessante...
E a cena morreu com o realizador focando a face e os olhos de Mollycoddle.
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Não me lembro onde baseei esta minha "escrita" de há cerca de 25 anos...
A minha memória já passou a ressentir-se há uns tempos...

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