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31 julho 2018

O Robles...

A História de um 
revolucionário capitalista.
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É o título do Editorial
do "Jornal i"
saído esta manhã
da autoria de
Vitor Rainho.
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Vitor Raínho
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O caso do vereador do BE que comprou um prédio à Segurança Social por 347 mil euros merecia uma larga reflexão sobre a transparência na vida política.
 Ricardo Robles, até ver, não cometeu qualquer ilegalidade, mas o seu comportamento ético deixa muito a desejar, pois o vereador tem-se destacado por atacar a especulação imobiliária, cometendo ele o mesmo crime depois de ter feito obras no prédio no valor de cerca de 650 mil euros e de o ter posto à venda por quase seis milhões de euros. Tudo seria muito mais fácil e transparente se todos os vereadores, assim como os deputados da Assembleia da República, declarassem os seus negócios pessoais, permitindo dessa forma que todos soubessem o que defendem ou não na vida política. E se têm ou não interesses em matérias que legislam.

Por tudo isso, não se percebe por que razão as câmaras e outros organismos públicos não revelam publicamente todas as transações em que estão envolvidos. A Segurança Social vende um prédio a um vereador e isso não é divulgado em local público? Qual a razão de tanto secretismo? Portugal tem feito grandes progressos na área da transparência da vida de alguns agentes políticos - muito à custa de uma Procuradoria-Geral da República que não está manietada por interesses partidários -, mas ainda lhe falta percorrer vários degraus importantes. Quanto mais transparência existir, menos e melhor Estado teremos. Mas um país dominado por partidos que não permitem a revelação de quem afundou a Caixa Geral de Depósitos em nome de um assalto a outro banco ainda precisa de percorrer os tais degraus da transparência.

E
como se pode acreditar em políticos que atacam o capitalismo e depois são eles próprios os capitalistas? Como pôde Ricardo Robles atacar tanto os interesses imobiliários e depois ser ele próprio um dos interessados no dito negócio? Isto transmite confiança a alguém? E o que dizer do patético protesto de Catarina Martins e de Francisco Louçã? Tenham vergonha, Robles não cometeu nenhum crime, mas não pode fazer de revolucionário nuns dias e de capitalista noutros…

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in "Jornal i"
31.07.2018

O verão anda por aí...

… num poema de 
Eugénio de Andrade
a que o autor deu o nome de 
Desde o chão.
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Eugénio de Andrade
(visto por Artur Bual)
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Desde o chão

A pele porosa do silêncio
agora que a noite sangra nos pulsos
traz-me o teu rumor de chuva branca.

O verão anda por aí, o cheiro
violento da beladona cega a terra.
Cega também, a boca procura
trabalhos de amor. Encontra apenas
o nó de sombra das palavras.

Palavras… Onde um só grito
bastaria, há a gordura
das palavras. Palavras…
quando apetecem claridades súbitas,
o sumo espreme, a ponta extrema
do teu corpo, arco, flecha,
corola de água aberta
ao fogo a prumo do meu corpo.

Ao chão ao cume das colinas,
eis as areias. Cala-te.
Deita-te. Debaixo dos meu flancos.
A terra toda em cima. Agora arde. Agora.
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Eugénio de Andrade
in.  "Antologia breve"
Ed. Fundação Eugénio de Andrade - 1999

30 julho 2018

Pensamentos...

"São os pequenos acontecimentos diários que tornam a vida espectacular."
.
William Shakespeare

1564 - 1616
dramaturgo e poeta inglês

29 julho 2018

O especulador...

Hoje deixo só umas linhas da coluna do
João Miguel Tavares…  
que ele publicou hoje,
no Público.
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João Miguel Tavares
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Nós já sabemos que o Bloco era esquerda caviar, mas nunca antes tínhamos apanhado um bloquista com tanto caviar na boca.
O caso Robles teria sido relevante e criticável quer ele fosse vereador do PS, do PSD, ou do CDS. Sendo vereador do Bloco de Esquerda, e conhecendo todos nós a sua posição pública e a do seu partido acerca da terrível "especulação imobiliária", aquilo que Robles fez é, pura e simplesmente, um desastre político e uma absoluta hipocrisia.
Vamos por partes. Primeiro, o desastre político. Classificar o negócio de Ricardo Robles como politicamente desastroso não depende sequer da sua cor partidária, nem do seu discurso sobre os maus-tratos sofridos pelos pobres moradores dos bairros históricos, que estão a ser empurrados para fora dos centros das cidades devido à pressão horrível do turismo.
A questão política é outra, e transversal a qualquer detentor de um cargo semelhante ao seu: deve o vereador de uma câmara municipal envolver-se, durante o seu mandato, em negócios imobiliários que envolvam aquisição de imóveis a  entidades públicas, e a aprovação de obras de beneficiação por parte da mesma câmara onde desempenha um alto cargo executivo? A minha resposta é óbvia: não, não deve.
Robles só é vereador do Bloco desde 2017, masem 2013 era líder da bancada do partido na Assembleia Municipal de Lisboa. Ou seja, tinha as mãos na massa… 
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NB - É só um excerto… mas todo o artigo é interessante e diz muita coisa sobre os "puros" bloquistas. A Catarina até deve dar saltos!... Cá esperaremos para ver que cargo irá ocupar "esta grada figura" nas próximas "mexidas do Bloco"… com vista à distribuição de cargos pelos seus "delfins"...

27 julho 2018

Eles foram professores do Liceu...

Firmino de Deus Crespo
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Era natural de Idanha-a-Nova, onde nasceu em 29 de Maio de 1907 e tinha como habilitações para o ensino, a licenciatura em Filologia Românica.

Firmino de Deus Crespo
 Foi professor efectivo do 1ºGrupo (Português, Latim e Grego) e iniciou a sua passagem por Setúbal, no ano lectivo de 1953/54, vindo transferido, mediante concurso, do Liceu de Portalegre, nos termos do nº 4, do Art 98º, do Decreto nº 36508, de 17 de Setembro de 1947, por portaria de 18 de Março de 1953, visada pelo Tribunal de Contas, em 23 de Março de 1953 e publicada no Diário do Governo nº 75, II Série, de30 de Março de 1953.
Tomou posse perante o Reitor Cipriano Mendes Dordio, por procuração passada a Armando Gomes, professor de Canto Coral no Liceu.
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Manteve-se no Liceu de Setúbal, como professor, até ao dia 30 de Setembro de 1965,

Por despacho de 11 de Agosto de 1954, publicado no Diário do Governo nº236, II Série, de 7 de Outubro, foi dispensado do serviço para exercer as funções de Leitor de Português, na Universidade de Liverpool, a partir de 1 de Outubro desse mesmo ano, nos termos da alínea b), do Artº4º, do Decreto-Lei 38680 e do Artº31º do mesmo decreto.
Manteve-se em Liverpool até ao fim do ano lectivo de 1961/62.
Em 1962/63, foram-lhe distribuídas 19 horas de serviço docente semanal. Exerceu as funções de Director do 3ºCiclo para que foi nomeado por portaria de 12 de Outubro de 1962, publicada no Diário do Governo nº270, II Série, de 15 de Novembro de 1962.
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Antes de concorrer ao Liceu de Setúbal passou pelo Liceu Mouzinho da Silveira, em Portalegre onde conviveu com José Régio e com José Catana Diogo.
No ano lectivo de 1963/64, foi requisitado para prestar serviço na Direcção Geral do Ensino Primário e, no ano seguinte, 1964/65, continuou em Comissão de Serviço, na mesma Direcção Geral.
Foi transferido para o Liceu Padre António Vieira, por portaria de 20 de Julho de 1965, publicada em 31 de Julho no Diário do Governo.
No pedido que faz, num requerimento apresentado ao Reitor do Liceu de Setúbal, em 11 de Maio de 1972, “Firmino de Deus Crespo professor efectivo do 1ºgrupo, actualmente do quadro do Liceu de Gil Vicente, em Lisboa, tendo prestado serviço da mesma categoria nesse liceu de Setúbal no período que vai de 1953/1954 a 1964/1965, com alternativas da comissão de serviço no Instituto de Alta Cultura e na Direcção Geral do Ensino Primário, requer um certificado do tempo de serviço prestado nesse liceu, durante o período referido, em que foi abonado de vencimentos por essa secretaria
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Em 9 de Junho de 1995, o jornal “Reconquista”, de Castelo Branco, transmitia-nos a notícia da sua morte:
Com 88 anos, faleceu em 22 de Maio, em Carcavelos onde residia, o Dr. Firmino de Deus Crespo, natural de Idanha-a-Nova.
Licenciado em Letras pela Universidade de Lisboa, sempre se manifestou estudante aplicado e depois, como Professor, exímio no ensino e na investigação histórico/literária, tendo exercido vários cargos neste domínio em Portugal e na Grã-Bretanha.
Dedicou muito do seu talento a assuntos de ordem histórica e literária da nossa região e particularmente da sua terra natal pelo que se pode considerar um alto expoente cultural desta zona raiana.
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Entre outras obras, podemos registar:
“Cristóvão Falcão e a sua Écloga Crisfal”, (IV Centenário de Portalegre) - Coimbra 1950;
“Em torno de uma fábula e sua expressão”, num texto latino (Horácio) e texto português (Sá de Miranda) 1947;
“O inconformismo espiritual na Obra de José Régio” (in.Bulletin of Hispanic Studies, vol. 33 Liverpool University) 1956;
“Três momentos na Lírica portuguesa”, Atlântida Editora, Coimbra, 1970.
“Sete Centúrias de Curas Medicinais”, de Amato Lusitano – Tradução do Latim, 1946 – 1950 – 1980. Edição integral em 4 vls, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa, 1983;
“Descobrindo Terras da Beira” – impressão de uma viagem – in “Estudos de Castelo Branco;
“Na Ilha das Sete Cidades” (inéditos) impressões e apontamentos da Ilha Verde (Açores);
“Senhora do Almurtão” – Cancioneiro coligido e precedido de breve estudo histórico – literário. Edição do autor. Lisboa 1954 – 1963 – 1992.
“A Vila de Idanha-a-Nova” – Monografia descritiva e histórica. Lisboa 1985;“Sobrevivências líricas” (Poesias)
Firmino Crespo foi colaborador nas revistas “Ocidente”, “Euphrosine”, “Colóquio”, Revista de Portugal, "Estudos de Castelo Branco", Geographica, etc.

26 julho 2018

Hoje há pintura...

Sandro Botticelli 
1445-1510
pintor italiano
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Vénus e Marte
National Gallery

25 julho 2018

Escrito no vento...

In “Público
12.07.2018
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A escola é a única alavanca capaz de elevar o povo ao nível da moral.
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Guerra Junqueiro
1850 – 1923
escritor e político

24 julho 2018

São quadras, meu bem!... São quadras...

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Não te afastes mais de mim
Não mates o meu amor…
Com saudade de te ver
Nada mais vejo em redor...

23 julho 2018

Humor antigo...

… com o traço de 
Kiraz.
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- Comprei-o com uma condição: posso devolvê-lo, 
caso a menina veja que não sou o homem dos seus sonhos...

22 julho 2018

Brinca enquanto souberes...

num poema que
Miguel Torga
escreveu em Março de 1960
e a que deu o nome de 
Pedagogia

Miguel Torga
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Pedagogia

Brinca enquanto souberes!
Tudo o que é bom e belo
Se desaprende…
A vida compra e vende
A perdição.
Alheado e feliz,
Brinca no mundo da imaginação,
Que nenhum outro mundo contradiz!
.
Brinca instintivamente
Como um bicho!
Fura os olhos do tempo,
E à volta do seu pasmo alvar
De cabra-cega tonta,
A saltar e a correr,
Desafronta
O adulto que hás-de ser!
.
Miguel Torga
in. Diário - vol.IX

21 julho 2018

Pensamentos...

"Quanto menos tempo tenho, mais coisas consigo fazer."
.
William Shakespeare

1564 - 1616
dramaturgo e poeta inglês


20 julho 2018

Maria José Morgado...

… foi ontem entrevistada pelo
"Público/Verão".
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Desta entrevista cheia de interesse, deixamos aqui alguns excertos. Mas vale a pena perdermos alguns minutos com a sua leitura integral.
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                                                    Maria José Morgado
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Maria José Morgado, 67 anos, magistrada, procuradora distrital da comarca de Lisboa, um dos nomes mais activos no
combate à corrupção, é também uma ex-revolucionária grata pela revolução não ter acontecido, uma leitora de ficção que gosta muito de ler poesia. Diz que traz uma libertação do mesmo tipo que lhe trouxe a música que ouviu nos clubes de jazz em Nova Iorque onde o marido, o fiscalista José Luís Saldanha Sanches, o “Zé Luís”, a levou. Ele morreu em 2010 e ela continua a falar dele como parte da vida. Conta as viagens, a ida a museus, as conversas e a procura mútua de uma transcendência, do que está para lá do banal. “Lê-se um poema e podemos ficar assim com umas asinhas pequeninas e adormecer melhor.”

-- Pouco depois da morte do seu marido, escreveu um texto de despedida e referia um quadro que viram juntos como símbolo de uma busca permanente pelo conhecimento e superação de materialidade...
- Sim, o Império das Luzes, do [René] Magritte.

-- O que teve esse quadro de especial entre tantos que viram juntos?
- Essas interpretações são tão subjectivas. Para mim é uma obra-prima.
O contraste entre luz e escuridão é muito atraente. O quadro é uma noite, mas é uma noite em que há uma luz a surgir por trás. Pode ser uma metáfora do contraste entre algum desespero e alguma esperança, entre as coisas espirituais da vida, as impalpáveis. É empolgante, é bonito. E as circunstâncias em que o vi contam e as recordações tornam tudo mais especial. Foi num fim de tarde em Veneza, no Guggenheim, uma mistura entre a luz do quadro e aquela luz muito prolongada de fim de dia. Havia uma grande languidez no ar. É um quadro bonito de se recordar.

-- Conversaram sobre o quadro?
- Não. Não falávamos assim sobre quadros. Nenhum de nós era especialista. Ele sabia alguma coisa e gostava,
eu gosto à minha maneira. Podíamos ocasionalmente falar deste ou daquele quadro na altura em que víamos. Não foi pela conversa. Foi pelo apego. Na memória escolhem-se momentos e aquele é um momento de que fui à procura mas é também uma construção. É um momento irrepetível.

-- Não foi a última viagem que fizeram juntos.
- Não,
a última foi a Florença, na passagem de ano de 2009 para 2010, já o Zé Luís estava doente e sabia a gravidade da doença. Eram sempre viagens a sítios de arte, uma coisa gratificante, porque passávamos os dias em coisas burocráticas e porventura estúpidas, e a arte e a literatura são sempre libertadoras. Gostávamos muito de viajar para conviver com a arte, era a viagem de libertação dos sentidos, de sonho, de um imaginário longo e real; o mundo que não se pode ter todos os dias, mas do qual se pode trazer um bocadinho na cabeça e aquilo que se pode guardar na cabeça é o mais desafiante. O impalpável, coisas que não se fotografam. Aliás, nunca tirávamos fotografias. A ideia era conseguir recordar, esforçarmo-nos por ter um pensamento sobre a coisa. Acreditávamos que a fotografia matava a ideia. Hoje, se calhar, já não pensaria assim. Se tivesse determinadas fotografias elas iriam avivar-me a memória e ser boas para a recordação. Mas havia sempre um grande desejo de pôr a cabeça a funcionar e assimilar através dos neurónios, do espírito.

-- A ideia da viagem vinha de quem?
- Do Zé Luís.
Eu detesto viagens. A viagem em si, a programação, a deslocação. Sou muito sedentária. O Zé Luís gostava, queria ver uma determinada exposição, por exemplo, e depois tudo girava à volta disso. Ficávamos bem instalados. Só começámos a viajar quando começámos a ter algum dinheiro para poder pagar um hotel confortável. Eram viagens pequenas, três, quatro, cinco dias no máximo. Não era para andar a correr. Era para relaxar, comer bem, dormir bem também. E para sonhar.

J-- á falou aqui muito mais do lado espiritual...

- É o lado mais importante da vida


(…)
“Vejo criminalidade em quase todo o lado. Não há aqui uma espécie de fanatismo ou obsessão. É perceber a vida;
há as coisas boas e as coisas más e também há o crime

(…)

-- Já lhe roubaram a carteira?

- Sete vezes.
-- Como?
- Gosto muito de andar em transportes, sou muito distraída. A última vez foi há cinco anos.
-- Não está atenta a sinais?
- Às vezes estou. A última vez, eram rapazes que andavam num carro a fazer roubo por esticão e eu percebi, “
estes gajos andam no esticão”, e a seguir o alvo fui eu, eu que estava a reparar neles!
-- Como reagiu?
- Fiquei quieta, se resistisse era arrastada e seria perigoso. A seguir fui à esquadra fazer queixa à polícia para evitar o uso fraudulento dos cartões. Para isso é preciso uma prova de como fora assaltada. É o que aconselho que as pessoas façam. Não era acreditar que os autores do roubo fossem identificados. Isso nunca foi possível. Nos milhares de fotografias que me mostraram, não consegui. Não é fácil. Os documentos nunca foram encontrados.

--Quando foi apresentar queixa os agentes da polícia reconheceram-na? 

- Sim. E riram-se, como eu ri.
(…)
                        “Ainda bem que não fizemos a revolução, porque éramos completamente doidos e só faríamos disparates”

(...)

-- Ri facilmente de si própria?
- Sim. Temos de ter sentido de humor. Não me levo a sério,
isso seria um sintoma de mediocridade.

-- Ver o mundo através do crime é um filtro normal para si?
- Sim. É como o ar que respiro. Vejo criminalidade em quase todo o lado, mas também percebe-se que não é exagero. Não há aqui uma espécie de fanatismo ou obsessão. É perceber a vida;
há as coisas boas e as coisas más e também há o crime.
-- Disse no início da conversa que acredita no sonho. Foi essa ideia de sonho que a levou a querer fazer “a revolução” e aliar-se à extrema-esquerda quando era muito jovem? 
- Isso sim. Foi uma loucura. Era uma jovem radicalizada.

-- Já falou disso muitas vezes. A esta distância consegue perceber melhor como tudo começou?
- Nunca se sabe muito bem. É um bocado como disse o Gabriel García Márquez, que a vida não é bem o que se vive, mas o que se recorda e como se recorda para se poder contar. Eu estava na faculdade [de Direito de Lisboa] e o movimento estudantil naquele tempo era muito activo. Pensei, ou estou do lado do fascismo ou do lado da Associação de Estudantes, que era onde estavam os antifascistas.

-- Para si era evidente situar-se politicamente.
- Nem era politicamente, era socialmente. Estou do lado dos bons ou dos maus? Os fascistas eram os maus, a ditadura, a opressão, a guerra colonial. Os outros eram os que queriam libertar o povo e fazer a revolução.
Eu queria a revolução. Para mim não havia dúvidas, era um mundo a preto e branco. Seria mais difícil tomar posição se fosse agora. E corria os riscos que fossem necessários para ir para o lado da revolução. Era a minha luta, ia travá-la. Ainda bem que não fizemos a revolução, porque éramos completamente doidos e só faríamos disparates.

-- Essa consciência só viria anos depois.
- Sim, mas naquela altura... era o
tal método marxista-leninista, a luta de classes, a luta de massas, para construir um mundo novo, embora coincidisse também contra a ditadura fascista, contra a guerra colonial e assim estivemos até ao 25 de Abril.

-- Nasceu numa ex-colónia, filha de alguém que pertencera ao lado que combatia.
- Nasci em Angola e o meu pai
era um representante da opressão colonial, era do quadro administrativo e circulávamos pelo interior de Angola de acordo com os postos que ele ocupava. Vivia no mato e era uma vida desenraizada. Mais ou menos de cinco em cinco anos tínhamos de mudar. Quando eu gostava muito de estar num sítio e tinha feito amigos, largávamos tudo e íamos embora. Isso marcou-me muito e daí, talvez, a minha alergia a viagens. Viajar parece que é sempre uma separação. É deixar, nunca mais ver. Eu sofria com isso. Deixar de ver os meus amigos com quem eu brincava.
(…)
-- E tinha então consciência de que o seu pai — para seguir a sua linguagem — estava do lado dos maus?
- Tive consciência de que se exercia opressão sobre os negros. Nas roças de café havia, no fundo, trabalho escravo, pessoas que vinham do Sul de Angola e eram exploradas. Eu percebia que havia uma população pobre, que era oprimida e isso causava-me infelicidade. Eu não gostava.
-- A sua ideia de injustiça, ou de fazer justiça, surge daí?
- Mais uma vez sinto que nunca sabemos bem como. O meu pai era uma pessoa justa dentro da missão dele. Quando chegava construía uma escola e uma igreja, por exemplo, mas representava a administração colonial e para ele isso não tinha problema, era a profissão dele e não cometia barbaridades. Só que aquele mundo era deprimente. Havia os miúdos ricos, com grandes casas, e os meninos que andavam descalços e não tinham bonecos.
-- O seu mundo era o dos ricos.
- Era e isso fazia-me um bocado de impressão. Quando vim para Portugal, fui para Trás-os-Montes e lá era a mesma coisa. Antes do 25 de Abril as crianças andavam descalças, havia uma taxa de mortalidade infantil horrível. A ideia de pobreza permaneceu, continuava à minha frente.

-- E mais uma vez estava do lado dos privilegiados.
- Sim, e eu sentia-me um bocado culpada por isso. E procurava, se calhar, diminuir a minha culpa dando coisas aos meninos que eu achava que não tinham nada, chamando-os para minha casa para brincar. A pobreza, estar por baixo na escala social, não ter nada, sempre me fez impressão; viver em casas com frio e chuva, essas coisas que eu senti muito. Quando cheguei à faculdade, vi ali um terreno fértil para aderir àquelas ideias maoistas e marxistas-leninistas; as ideias revolucionárias. Parecia possível acabar com a pobreza e com a desigualdade. Não é possível!
-- Como é que o seu pai reagiu?
- Teve as suas dificuldades. Ele era muito conservador. A minha mãe reagiu muito bem, sempre teve um espírito um bocado revolucionário, muito à esquerda. Com o apoio dela,
o meu pai lá foi aguentando. A pior altura foi quando fui presa. Uma miúda com 19 anos ser presa pela PIDE era uma coisa para a qual a família não estava preparada, ainda mais uma família conservadora.

-- Nessa altura da prisão já tinha uma relação com José Luís Saldanha Sanches, uma espécie de herói estudantil.
- Já o tinha conhecido. Foi na Faculdade de Direito, nessas militâncias. Era a segunda vez que ele estava preso. Nessa altura estivemos presos ao mesmo tempo.

-- A história já foi muitas vezes contada. Sofreram tortura, estavam dispostos a morrer, e depois do 25 de Abril
ele foi o primeiro a abandonar o “sonho”.
- Começámos a achar aquilo tudo um bocado
caricato [o MRPP], e atrás do caricato começámos a ter uma posição muito crítica em relação ao marxismo-leninismo, ao maoísmo. O facto de eu ter estado presa pela segunda vez, então pelo COPCON, depois do 25 de Abril, ajudou-nos a perceber que aquilo não era nenhuma maneira de mudar o mundo, e entrei em grandes pessimismos. Mas lá está, eu nunca conseguia cortar.

-- Porquê?
- Porque a separação, para mim, é um trauma. Prefiro sofrer a ter uma separação. Ia falando com o Zé Luís, tínhamos a mesma interpretação das coisas, a mesma descrença, e um dia ele chega a casa e diz:
“Não volto mais.” Fiquei aterrada. Pensei que ele iria dormir e quando acordasse tudo ficaria na mesma. No dia seguinte mantinha-se irredutível e tive de decidir. Se saísse receava que as pessoas dissessem que eu ia sair só por servilismo feminino, por dependência em relação a ele, por não ser capaz de pensar sozinha. Mas o curioso é que eu tinha posições muito mais críticas em relação ao que se passava do que ele. Eu sabia que não podia voltar embora tivesse um grande desgosto. Não voltei. Os primeiros meses foram horríveis. Nessa altura começámos a correr. Todos os dias nos levantávamos e corríamos quilómetros. Estávamos viciados na adrenalina da revolução que nunca iríamos fazer, era até uma ideia ridícula, mas aquilo produzia adrenalina. Andar de um lado para o outro, distribuir comunicados, fazer comunicações, pinturas...
(…)

“No país perdeu o sentido ser-se de esquerda ou de direita.
  Se calhar tem mais sentido ser-se honesto”

(…)
-- E de repente o vazio.
- Vazio e ressaca. Essa ressaca tinha de ser combatida. Fisicamente e intelectualmente. Fisicamente, com exercício físico intenso. E intelectualmente lendo e estudando muito, regressando à faculdade. Foi o regresso a uma normalidade.

-- Que não era até então a vossa normalidade.
- Não. E tínhamos cortado com o mundo normal, as pessoas todas contra nós. Aquele estilo de intervenção pública tão radical afastava-nos das pessoas normais. Depois foi ler o jornal ao sábado de manhã, ter horários, ganhar a vidinha. Foi uma grande ressaca. É quando nasce a Laura [a filha de ambos]. Ela é produto do 25 de Abril e do refluxo revolucionário. Aliás, a cada 25 de Abril digo sempre, “Olha, Laura...”. E ela: “Já sei, se não fosse o 25 de Abril eu não existia porque o pai estava preso.”

-- O que ficou do tempo revolucionário na sua vida normal?
- Inevitavelmente sou produto disso. Eu era muito miúda. Lembro-me que no processo da PIDE a única atenuante que eu tinha era ser menor de 21 anos. Mas
ficou um sentido de ética, de responsabilidade, de disciplina, cumprir com o que se espera de nós. Mas eu se calhar já era assim antes. Não sei. Não vale a pena estar a romancear muito a coisa.
(…)
-- Aliás, parece que romanceia pouco a sua vida.
- Acho que fazê-lo é ridículo.

-- É por discrição?
- Há quem ache que eu não sou discreta! A noção associada à discrição é errada. As pessoas acham que a discrição é não se intervir publicamente.
Mas pode-se intervir publicamente e ser-se discreta, porque a discrição é uma atitude de humildade, de compreensão para com o outro e de assumir a sua responsabilidade humildemente. Isso é que é discrição. Discrição não é andar com burca, nem não gostar de declarações. Isso é uma deturpação esmagadora para a personalidade de quem é magistrado. O magistrado tem uma liberdade de expressão limitada e o meu limite é a minha deontologia profissional, é a minha neutralidade pública. Os comentários que faço publicamente sempre são de índole criminológica.

-- Como sempre que se pronunciou sobre a corrupção em Portugal?
- Sim. Mas não posso tomar posição sobre o processo. Mas posso tomar posições públicas por valores de transparência, integridade e honestidade, e contra a corrupção. Isso, o magistrado pode e deve fazer.

-- E com isso tornou-se uma figura pública.
- Quando fui presa antes do 25 de Abril,
o meu nome andou nos jornais. As pessoas não se lembram. Mas de facto a televisão muda as coisas.

-- E ao seu nome passou a associar-se um rosto.
- Com o surgimento das privadas, com os primeiros julgamentos acompanhados. Nos anos 90,
as televisões entraram de rompante no Tribunal da Boa Hora. Apareceram algumas imagens a propósito do caso Melancia, a seguir foi a história da Polícia Judiciária, e uma fase de intervenção pública de denúncia de corrupção entre 2003 e 2006. Encaro estas coisas como uma tomada de posição pública; explicar que a corrupção fazia muito mal ao país. Agora as pessoas já percebem. Na altura achavam que era alguma "justicialite" minha. Infelizmente, a vida até me deu razão. As pessoas acabaram por ter noção do que era a corrupção, mas não foi por minha causa. Foi à custa do resgate, da pobreza, e de repente toda a gente descobriu como é que os nossos impostos foram gastos nos últimos 20 anos. Não quero dar lições a ninguém, sou uma simples magistrada, posso reformar-me a qualquer momento. Tenho 67 anos, penso que já preencho os requisitos e tenho o distanciamento próprio de quem a qualquer momento pode sair.

-- Com encara esse momento?
- É mais uma separação que não quero encarar.

-- Sabe que vai ser doloroso.
- Certamente. Eu aguento. Mas já sei que me vai custar porque não sei fazer mais nada, mas vou aprender.
Há muita coisa para fazer.

-- Distanciou-se completamente da política. Não sente nenhum tipo de apelo?
- Tenho até uma certa
alergia à política. Nos meus tempos de militância partidária antes do 25 de Abril o Zé Luís ria-se de mim quando eu intervinha. Dizia que eu não tinha jeito nenhum e quando abria a boca punha toda a gente aos gritos contra mim. Não tinha jeito nem vocação e não quero e nunca quis. Não há aqui nenhuma confusão. A princípio houve pessoas que pensavam que a minha intervenção no combate à corrupção era feita com uma reserva mental política. Agora têm certeza de que não. Não é coisa que me interesse. Nem sequer seguir. Tenho de estar informada, de conhecer o mundo, mas só isso.

-- Como se posiciona no espectro político?
- No país, perdeu um bocado o sentido ser de esquerda ou ser de direita.
Acho que se calhar tem mais sentido ser honesto, defender interesses de transparência e de integridade que às vezes não têm a ver com ser de esquerda ou ser de direita. Há gente de esquerda que não tem princípios de integridade e transparência e há gente de direita que tem.
(…)
-- O facto de ser uma mulher prejudicou-a na carreira?
- Não, sempre fui beneficiada por ser mulher.

-- Em que sentido?
- Ter melhor tratamento. Senti muitas vezes. E
a magistratura está transformada numa profissão feminina, praticamente. Entra num tribunal e só vê juízas, procuradoras...

-- O que explica isso?
- Acho que são razões culturais, sociológicas. Dizem quem nas faculdades de Direito
as mulheres são mais marronas do que os homens, têm melhores notas e conseguem entrar melhor na magistratura. Mas não estudo estes fenómenos sociais.

-- Era marrona?
-
Muito, muito. Ainda hoje, quando tenho de saber uma coisa, quero estar segura de que não falha nada. É uma teimosia. Quando estudava queria sempre ter as melhores notas e estudava imenso, também gosto de trabalhar muito. É uma maneira de ser radical no que faço. E ter metas, ir esticando metas. Tenho um grande desgosto de no exercício físico já não estar em condições de quebrar metas. Como é que posso, com 67 anos?! Gostava de correr mais do que os outros, nadar mais do que os outros. Tenho o bichinho da competição, no bom sentido, porque é com o meu esforço, não é com truques nem para tramar ninguém. É apenas o desejo de perfeição que nunca se atinge. Mas acho que estou velha.

-- Envelhecer chateia-a?
- Às vezes penso até quando é que vou conseguir aguentar aquelas cargas [pesos no ginásio].
Preocupa-me mais a decadência do corpo do que a da cabeça, porque acho que a decadência da mente vem atrás da do corpo. Se conseguimos aguentar o corpo também aguentamos a cabeça. É uma mania. E leio, vou ao cinema... se tiver tempo. O problema é que tenho muito pouco tempo. Uma das coisas que tenciono fazer depois de me reformar é ler muitos livros que foram ficando para trás. Passo o dia a ler, mas as coisas da profissão.

-- O que gosta de ler?
- Gosto de literatura.
A literatura é libertadora. Os clássicos. Na literatura está tudo. Também está a justiça. Há um livro a que volto muito, Ressurreição, do Tolstoi. É um livro sobre a corrupção nos tribunais, há ali um nobre que se rebela contra isso para salvar uma mulher de uma sentença injusta. É um livro actualíssimo. Gosto muito de ler os mesmos livros várias vezes, sou um bocado como as crianças, porque de cada vez que leio o livro é diferente.

-- A investigação criminal dá adrenalina?
- Dá. Não dormir, não comer. Tudo o que seja um empenho empolgante, para lá das nossas forças, dá adrenalina. E
essa adrenalina torna-nos melhores.

-- O que sente quando resolve um caso?
- Resolver um caso é
chegar a uma conclusão satisfatória acerca daquilo que aparenta ser a verdade. A verdade na justiça é uma verdade limitada às provas. Não é uma verdade formal. É uma verdade material. Há todo um trabalho que é preciso fazer e a justiça deve ser muito avara nos seus métodos porque tem de tratar toda a gente da mesma maneira.

-- E trata?
- Às vezes, para tratar da mesma maneira é preciso fazer um tratamento diferenciado. Um
caso de corrupção de um titular de cargo político é diferente de um caso de um carteirista. Para chegar a resultados temos de utilizar métodos diferentes. Há casos com exigências muito sensíveis. Penso que está ultrapassada a ideia de que a justiça só funciona para uns. Nos últimos cinco anos tem havido resultados. Não vamos instaurar processos por razões políticas, ou para mostrar que somos firmes e não temos medo, mas por haver suspeitas. As pessoas percebem pelo menos que a justiça não tem medo dos poderosos. Se houver fundamento para instaurar um processo, tanto se instaura a A, a B ou a C. Se há ou não capacidade de levar esse processo até ao fim... depende. Das provas, de muitas coisas.
(…)

“Não tenho medo que me tentem influenciar, até porque sou muito teimosa e coitado de quem tentasse”

(…)
-- Já pensou intimamente “fez-se justiça”?
- Acho que somos um bocado como os médicos, queremos ter a certeza de que o resultado de um processo é um resultado justo.
Não queremos condenar inocentes. Estamos a funcionar num registo que corresponde à realidade, mas a realidade também é caprichosa e temos de ter sempre cuidado em ser sempre auto-vigilantes. A grande questão é a independência, a autonomia, não ser influenciável. Haver uma certeza no juízo fundado em meios de prova, por muito difíceis que sejam, e não em meras opiniões.

-- Já a tentaram influenciar?
- Se tentaram não dei conta. O que me preocupa é fazer bem o meu trabalho e ser auto-vigilante.
É a minha consciência. Partindo disso, não tenho medo que me tentem influenciar, até porque sou muito teimosa e coitado de quem tentasse.

-- Chamam-lhe muitas vezes justiceira e sei que não gosta. O que é ser justo e ser justiceiro?
- O
justiceiro é um fanático que não vai nunca conseguir ser justo porque não distingue a verdade da mentira. Uma pessoa justa tem de distinguir a verdade da mentira, a culpa da inocência, a maldade da bondade ou até a fragilidade e a fraqueza da maldade intencional.

-- Consegue comover-se com o trabalho?
-
Devemos comover-nos. A comoção é o que nos liga à vida. Se estamos a falar de um crime de homicídio, a comoção é em função da tragédia e não de quem privou um ser humano da vida. Aí temos de ser firmes, mas a firmeza também é uma forma de comoção.

-- Tem rotinas muito fixas.
- Tenho necessidade disso.
Fico perdida se perco as rotinas. O Zé Luís precisava das rotinas para ter disciplina porque tinha tendências para a indisciplina.

-- A Maria José não tem?
- Eu não.
O meu vício é a disciplina. A disciplina, para ele, era uma forma de manter ritmos de trabalho e não ser diletante. Ele era muito diletante.

-- Ele tinha um lado de bon vivant que a Maria José nunca teve.
- Não tenho
e é uma pena. Gostava, mas não tenho jeito nenhum. Nessas circunstâncias nunca sei o que devo fazer comigo.

-- Deixou de sair.
- Deixei. Saio para trabalhar, para ir ao ginásio, para ir de férias…
(…)
-- Esteve com ele até ao fim.
- Sim. De alguma forma
é pacificador estar ao lado de quem morre. Pacifica-nos muito para o resto da vida, estar ali. Não há revolta nenhuma, é uma reconciliação com a vida e a morte, a morte faz parte da vida. E a morte é mesmo o fim. É que é mesmo o fim.

-- É das poucas certezas que tem?
- É uma certeza enorme. Ao percorrer os corredores daquele hospital [Santa Maria] saí com essa certeza, uma certeza física, que nunca mais nos deixa.
A morte é das coisas mais racionais na vida e ganha uma racionalidade muito grande quando a presenciamos. Tem um caminho e a certa altura a gente percebe que só aquilo pode acontecer. É o desfecho inevitável, tem uma lógica terrível. É brutal mas essa lógica está lá.
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by Isabel Lucas
No Público
19.07.2018
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19 julho 2018

Mais uns corninhos...

… do sr. Manuel Pinho, a todos os portugueses.
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João Miguel Tavares
publicou esta crónica
no "Público" de hoje,
e deu-lhe como título: 
"Manuel Pinho foi ao Parlamento gozar connosco" 
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João Miguel Tavares
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Manuel Pinho foi ao Parlamento fazer-nos corninhos. Outra vez. Não por gestos – mas por palavras. Ele não deu uma única justificação em relação àquilo de que é suspeito: ter continuado a receber salário do BES enquanto era ministro da Economia; ter recebido uma casa em Nova Iorque em troca de certos favores; ter recebido um lugar na Universidade de Columbia em troca de outros favores. Sobre isso, nada. Mas a sua intervenção foi muito instrutiva. Demonstrou não só a mais descarada falta de ética de tantos governantes da era Sócrates, como ajudou a clarificar aquilo que tem sido uma das mais perniciosas tendências da nossa democracia: a confusão lastimável (e propositada) entre responsabilidade criminal e responsabilidades políticas, morais ou disciplinares, numa barafunda de planos distintos, com o argumento de que se os tribunais não condenaram, então toda a gente deve ser tida por inocente. Politicamente inocente. Moralmente inocente. Disciplinarmente inocente.

Não, não deve
– e Manuel Pinho fez o tremendo favor de demonstrar ao país porque é que não deve. Esta questão tem sido recorrentemente abordada por mim, e ainda há pouco a invoquei a propósito de Domingos Farinho. No caso da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,
confunde-se responsabilidade disciplinar e ética com responsabilidade criminal. No caso de Manuel Pinho, confunde-se responsabilidade ética e política com responsabilidade criminal. O mesmo Pinho que de manhã arranjou um incidente processual para não responder às questões do Ministério Público, à tarde estava a queixar-se de nunca ter sido confrontado pelo Ministério Público com os indícios daquilo de que é acusado. Se isto não é fazer-nos corninhos, é o quê? Vivemos no país em que um ex-ministro da Economia acha que pode ir ao Parlamento falar de tudo menos daquilo que importa. Na terça-feira, o país assistiu a um show de impunidade.

Manuel Pinho foi passear a sua pose professoral diante dos senhores deputados. Foi dizer-nos o que fazer para diminuir a conta da electricidade. Propôs baixar o IVA e eliminar a taxa do audiovisual. Trouxe um Powerpoint que demorou tempo a compor, e que segundo ele continha dados magníficos, que ofereceu ao Parlamento
com generosidade e sapiência. Disse que talvez fosse publicar um livro com aquela informação, tão útil ela é. Partilhou a sua mundividência e as suas inúmeras viagens. Disse maravilhas sobre a China, e de como a sua economia, juntamente com a da Índia, Japão e Coreia, já é maior do que as economias americana e europeia juntas.
E no meio de tanta sabedoria vertida, quando lhe perguntaram pelo BES disse que não podia responder. Sobre a sua colecção de offshores disse que não podia responder. Nem sobre as declarações ao Tribunal Constitucional. Há tempos, afirmou que não respondia porque era arguido. Agora, afirmou que não respondia porque já não era arguido. E assim sucessivamente. Manuel Pinho até achou conveniente dar sermões aos deputados mais insistentes, afirmando que não foi para isso que tinha sido convidado. Anunciou que tinha imposto as suas condições para ir ao Parlamento e que elas tinham sido aceites. Declarou que quando convidamos uma pessoa para ir ver futebol a nossa casa não a pomos a esfregar o chão. Para Manuel Pinho, responder sobre suspeitas gravíssimas na casa da democracia portuguesa é semelhante a esfregar o chão. Por uma vez, a boca fugiu-lhe para a verdade. Inocente, só se tiver sido aí.
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João Miguel Tavares
in. "Público"
19.07.2018

Pensamentos...

"Só se deve dar um conselho em duas ocasiões: quando é pedido ou quando é caso de vida ou de morte"
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William Shakespeare
1564 - 1616
dramaturgo e poeta inglês

18 julho 2018

Hoje há pintura...

Peter Paul Rubens
1527 - 1640
pintor flamengo
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Andrómeda libertada por Perseu
Museu do Prado

17 julho 2018

Humor antigo...

...com o traço de
Jean Bellus


- Não faças essa cara, homem. Deixa lá que daqui 
a dezasseis horas já estás outra vez a dormir...

16 julho 2018

Escrito na pedra...

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In “Público
13.07.2018
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Todo o partido existe para o povo e não para si mesmo.
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Konrad Adenauer
1876 – 1967
estadista alemão

15 julho 2018

Uma maioria absoluta...

…é o título que 
João Miguel Tavares
escolheu para a sua crónica
de sábado, dia 14 de Julho
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João Miguel Tavares
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Hoje deixo apenas o começo:
"Ao ouvir António Costa discursar sobre o estado da nação, senti-me transportado para os Alpes suíços, cercado de bonança existencial, fragâncias primaveris, brisa fresca, cabrinhas a balir e vacas voadoras. Só faltou aparecer a Heidi, mais o seu avozinho. O país descrito por António Costa é magnífico, sem dúvida alguma -- o meu problema é não saber onde ele fica. Alguém me arranja um mapa que vá dar àquele Portugal?
(…)
Fica apenas este pequeno excerto… 
mas vale a pena ler todo o resto.
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In. "Público"
14.07.2018