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14 fevereiro 2023

Memórias de então...

 ... Acabo de  "descobrir"  um  "apontamento" que escrevi em Abril de 2000 e que agora ainda me faz rir.
É da autoria de um escritor italiano que viveu muitos anos em Portugal e sempre teve uma simpatia  grande dos portugueses.
Tinha nascido em Pisa. em 1943 e foi professor da Língua e Literatura Portuguesa na Universidade de Génova e director do Instituto Italiano de Cultura, em Lisboa.
Dedicou algum do seu tempo ao estudo da figura de Fernando Pessoa, produziu ensaios sobre este autor e traduziu obras suas.

António Trabucchi
(1943 - 2012)
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A "nota" que aqui deixo hoje foi retirada do suplemento  "Pública", do jornal que ainda hoje leio com regularidade...
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O italiano António Tabucchi continua o mesmo cabotino de sempre. Mas tem sempre, dentro da neo-nomenkatura  cultural deste cantinho à beira mar plantado, uma mão que o mantem à tona de água... Desta vez é a mão da "gaguinha" do canal 1, a Maria João Seixas, que o aguenta numa entrevista que intitulou "O Português Extravagante".
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"Nasci num hospital em Setembro de 43. Na altura, os aliados estavam a bombardear a cidade, porque os alemães, na sua retirada de Roma para cima, tinham-se instalado na margem direita do Arno e, com as pontes todas destruídas, não havia outra maneira de os desalojar. Pisa era um lugar estratégico, porque tinha um centro ferroviário importantíssimo, um aeroporto e fábricas de material indispensável aos desígnios da guerra. "Nasci portanto por baixo das bombas. Bombas que mataram em Pisa, à época do meu nascimento, cinco mil pessoas.
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A minha Mãe contou-me que era a única ocupante da clínica de obstetrícia e que foi ajudada nos trabalhos de parto, por uma freirazinha que só lhe dizia - "Oh, minha Senhora, despache-se, despache-se!". Ao que a minha Mãe respondia -"Faço o que posso!".stronzo Talvez por estas circunstâncias, sou filho único. Logo a seguir ao parto, o meu pai veio buscar-me de bicicleta. Uma bicicleta sem pneus. E, assim, ao colo da minha Mãe, sentada no quadro daquela bicicleta, deixámos a nossa casa em  e partimos para Vecciano, uma aldeia a cerca de 10 quilómetros da cidade, onde viviam os meus avós paternos.
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(...)
Seixas pede a António Trabucci, a propósito da invocação do Pranto de Maria Parda, que lhe dê a sua hierarquia, de eleição e de abjeção, de insultos e palavrões. Em italiano e em português.
"O que mais me ofende é cabrão. Não gosto. Acho que é uma palavra horrível, é um insulto baixo, ferino, de animais. Prefiro ser chamado filho da puta.  Cabrão é que não. Cabrão é mais baixo que puta.  Puta é saudável. Sempre é uma actividade exercida por humanas criaturas. Quando me irrito, o que acontece muitas vezes , é em italiano. Digo, por exemplo, stronzo, que é assim uma espécie de "cagalhão", um merdas. Mas o mais terrível de todos os insultos em italiano, é em dialecto romano: Li mortacci tua (em italiano - I mortacci tuoi). Atinge o que mais de sagrado uma pessoa tem, os seus antepassados, os entes queridos já desaparecidos, os Lares da cultura latina. Quer dizer exactamente isto: os teus horrorosos mortos ou, se quiseres, os teus mortos não prestam para nada.
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E, mais à frente
"Sempre que hesito, num cruzamento na estrada normalmente parcos em indicações de sentido, ouço: Vai para a tua terra, estúpido! Claro que respondo mandando-os à merda, na suposição que aquelas pessoas devem saber melhor onde fica a merda do que eu sei onde é a minha terra."  
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in "Pública"
02.04.2000

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