Faz hoje 30 anos...
...que se iniciou a queda do "Muro de Berlim"
.
Com o título
"Quando o deutsche Mark foi ter com os alemães do Leste"
a jornalista
Teresa de Sousa
escreveu hoje, dia 9 de Novembro
no "Público"
Teresa de Sousa
.
As grandes cadeias
de televisão do mundo inteiro começavam a instalar-se. Os grandes jornais
exibiam os seus espectaculares telefones-satélite para ditar as suas crónicas.
Alguns jornalistas já estavam equipados com os primeiros telemóveis, maiores
que um tijolo. Eu, claro, tinha apenas um caderno e uma caneta. Não me deixei
levar pelo pessimismo. Alguma coisa havia de arranjar. Talvez um táxi, talvez
uma cabine telefónica.
Formavam-se as
primeiras filas em frente aos bancos. À meia-noite em ponto, abriam-se as
portas. Acenderam-se os holofotes das televisões, iluminando a praça. Numa
explosão inédita de alegria, os cidadãos da RDA lançaram para o ar as suas
moedas sem peso e sem valor. Foi uma
inesperada chuva de estrelas cuja imagem ainda hoje perdura na minha memória. O
Bundesbank já se instalara na antiga sede do partido comunista. Em Frankfurt,
foram fabricadas 600 toneladas de notas novinhas em folha e 500 toneladas de
moedas pesadas e brilhantes.
Faltava enviar a
reportagem para o jornal. Começaram os problemas e começou a inveja dos outros
jornalistas, fazendo calmamente o seu trabalho. Cabinas telefónicas havia, mas
estavam todas avariadas. Táxis nem vê-los. Só restava a longa caminhada para o
lado de lá, até reencontrar a animação e as luzes de Berlim Ocidental, entrar
no primeiro café cheio de gente a celebrar apesar da hora, pedir para usar o
telefone para uma chamada internacional, respirar de alívio diante do sorriso
rasgado do empregado que estava ao balcão. Ditar a crónica para Lisboa. Fazer
sinal a um táxi, inevitavelmente um Mercedes, para me levar ao hotel. Missão
cumprida. Memória inapagável.
No dia seguinte, o
mesmo percurso e um cenário totalmente diferente. As montras dos supermercados
exibiam tudo o que é possível imaginar num supermercado ocidental.
Longas fila à porta,
com os bolsos milagrosamente repletos da moeda mais forte do mundo. Uma senhora
de meia-idade mantinha-se parada há demasiado tempo diante de uma montra de
iogurtes. As marcas eram tantas, as variedades infinitas, os sabores e as
consistências, aromas ou frutas, com ou sem açúcar, que a escolha se
transformava numa tarefa complicada. Finalmente escolheu. Um amplo sorriso
iluminou-lhe o rosto.
É preciso ter ido
a Berlim nesses dias para se sentir na pele o que era a vida do lado de lá. Sem
cor, sem escolha, sem liberdade, sem opções, sem futuro, sem expectativa. Sem
nada. Uma prisão gigantesca onde era sempre conveniente olhar por cima do
ombro, porque a Stasi era omnipresente.”
Agora, estava tudo
em aberto. Mas Khol não se enganara sobre o sentido inelutável da História
acabada de entrar em súbita aceleração. Enquanto SPD de Oskar Lafontaine se
opunha à reunificação política e económica, o presidente honorário do partido,
Willy Brandt, apoiava o chanceler em toda a linha.
Era impossível
fazer parar o comboio da História, que nesse dia tomava mais uma vez o caminho
certo, abrindo as portas para a unificação de um continente dividido pela
guerra, pela ideologia e pela vida.
Hoje, os salários
dos alemães que trabalham nos antigos Lander da RDA são 85% dos ocidentais. E
do Muro apenas resta a memória numa cidade vibrante, renascida e cosmopolita,
que deixou de estar no extremo oriental de uma Europa livre e democrática para
passar a estar no seu centro.
Kohl também
ofereceu à Europa o poderoso deutsche
Mark como testemunho de uma Alemanha que queria continuar a ser europeia,
afastando os fantasmas de uma Europa alemã. Nasceu o euro, sobre o qual a União
Europeia continuou a edificar-se. Foi bom. Espera-se que continui a ser. Mais
uma vez, muita coisa está em aberto.
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NB - Apenas reproduzimos um excerto do artigo de Teresa de Sousa.
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