“O pior do melhor e o melhor do
pior”
é o título escolhido por Faíza
Hayat
para este conto que publicou em
Janeiro de 2008
Faíza Hayat
No último dia do ano sobressaltei-me
ao descobrir no Público quatro páginas dedicadas ao melhor e ao pior lado dos
portugueses. A lista do pior lado ocupava, em grandes letras, as duas páginas
por completo.
A lista do melhor ocupava metade desse espaço. Na lista do
melhor havia itens que fariam mais sentido na lista das desgraças. Compreendo,
por exemplo, que o facto de os portugueses visitarem mais os médicos do que os
restantes europeus possa ser um indicador de preocupação com a saúde. Mas também
pode ser um indicador de hipocondria. Eu preferia passar os próximos cinquenta
anos sem visitar médicos nem advogados. Na lista consta também que os
portugueses reclamam muito enquanto consumidores. Isto pode significar que conhecemos
os nossos direitos e lutamos por eles, o que realmente me parece positivo, Mas também
significa que não somos bem servidos.
Outro item
um tanto estranho na lista d’”o nosso melhor lado” tem a ver com a preferência
nacional por casas com vista para o mar. Provavelmente os húngaros, os austríacos
e os luxemburgueses também apreciam as casas com vista para o mar, embora
naqueles países seja um pouco difícil conseguir vista para o mar. Eu cá
gostaria de ter uma casa com vista para o mar – já agora para o mar de Parati –
e do lado de trás com uma imensa varanda com vista para o Grand Canyon. Melhor
ainda seria ter uma casa com muitas janelas, cada uma com uma vista diferente.
Por outro
lado não consigo compreender o motivo porque a lista d’”o nosso melhor lado” é
tão breve.. Eis outros itens que eu acrescentaria à tal lista, sem pensar
muito, e sem necessidade de consultar relatórios, inquéritos ou sondagens:
somos um dos países com mais horas de sol da Europa. Somos um dos países com
maior número de caixas multibanco. Somos um dos países europeus onde se come
melhor, e por melhor preço. Temos os melhores pastéis de nata do mundo e o
melhor vinho do Porto. Eu acho que só pelos pastéis de nata já vale a pena ser
portuguesa.
Passo a
maior parte do ano fora de Portugal. Os meus olhos já são um pouco estrangeiros.
Talvez por isso veja mais facilmente o lado bom do que o lado mau dos
portugueses. A dificuldade em ver o lado bom do que quer que seja é uma das
marcas do caracter nacional -- e aqui temos um item a juntar ao “nosso pior
lado” .
Segundo o Público, “o
nosso pior lado” inclui excentricidades como não gostarmos de falar do cancro
colorectal, e morrermos de medo de perder o emprego. A verdade é que o nosso
pior lado nunca chega a ser realmente mau. Somos tão pequenos, tão acanhados,
que nem em maldade conseguimos ser grandes .
A Alemanha teve Hitler, e ainda hoje tem nazis. A França enfrenta gravíssimos
problemas com a integração dos emigrantes. A Bélgica está à beira do fim.
Espanha tem a ETA. Podia continuar assim até ao final desta página. Ao lado da
maioria dos países europeus, e fiquemo-nos apenas pela Europa, Portugal é um oásis
de minúscula felicidade. Só os portugueses não se apercebem disso.
O início do
ano é uma boa altura para coligir listas. Talvez mais vantajoso do que saber
qual o nosso lado bom e o nosso lado, digamos, menos apresentável, seja uma
lista das melhores coisas que podemos fazer esta ano, e daquilo que seria
excelente se conseguíssemos evitar. Eu, por exemplo, gostaria de conseguir
evitar, além dos advogados e dos médicos, as multidões, a celulite, as longas
filas, os imbecis e os maus filmes, não necessariamente por esta ordem. Já
entre as melhores coisas que pretendo fazer esta ano está uma viagem à Líbia
para visitar Sabratha, concluir o doutoramento e casar-me com Caetano Veloso. Bem
sei que Caetano já não é um menino mas, ao menos em palco, ainda se move como
um menino – eu vi o último espectáculo – e além disso está solteiro.
.
Publicado em 06.01.2008
no suplemento “Pública”
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