Não
há dúvida de que foi lindo mas depois...
*Vale
a pena ler tudo, 38 ANOS DEPOIS...*
Sou
obrigado a escrever-lhe, nesta data, depois de ter escutado,
com toda
a atenção, a aula de História, que nos deu sobre a Revolução
de Abril
de 1974.
Li
todos os apontamentos que tirei na aula e os textos de apoio que
me entregou
para me preparar para o teste, que o Senhor Professor
irá apresentar-nos,
na próxima semana, sobre a Revolução dos Cravos.
Disse
o Senhor Professor que a Revolução derrubou a
ditadura Salazarista
e veio a permitir o final da Guerra Colonial, com
a conquista
da Liberdade do Povo Português o dos Povos dos
territórios que
nós dominávamos e que constituíam o nosso
Império.
Afirmou
ainda que passámos a viver em Democracia e que iniciámos
uma nova
política de Desenvolvimento, baseada na economia de
mercado.
Informou-nos
também que a Censura sobre os órgãos de Comunicação
Social terminara
e que a PIDE/DGS, a Polícia Política do Estado
Fascista acabara,
dando a possibilidade aos Portugueses de terem liberdade
de expressão,
opinião e pensamento. Hoje, todos eles podem exprimir
as suas
opiniões nos jornais, rádio, televisão, cinema e teatro,
sem receio
de serem presos.
Disse
igualmente que Portugal era um país isolado no
contexto internacional
e que agora fazemos parte da União Europeia e
temos grande
prestígio no Mundo. Que somos dos poucos países da União
a cumprir,
na íntegra, os cinco critérios de convergência nominal
do Tratado
de Maastricht para fazermos parte do pelotão da frente
com vista
ao Euro.
Li
os textos de apoio do Professor Fernando Rosas, onde me informam
que os
Capitães de Abril são considerados heróis nacionais, como
nunca houve
antes na nossa história, e que eles são os responsáveis por
toda a
modernidade do nosso país, pois se não tivesse acontecido
a memorável
Revolução, estaríamos na cauda da Europa e viveríamos
com grande
atraso, em relação aos outros países, e num total
obscurantismo.
Tinha
já tudo bem compreendido e decorado, quando pedi ao meu pai
que lesse
os apontamentos e os textos para me fazer perguntas sobre a
tal Revolução,
com vista à minha preparação para o teste, pois eu
não assisti
ao acontecimento histórico, por não ter ainda nascido, uma
vez que,
como sabe, tenho apenas dezasseis anos de idade.
Com
o pedido que fiz ao meu pai, começaram os meus problemas pois
ele ficou
horrorizado com o que o Senhor Professor me ensinou e
chamou-lhe até
mentiroso porque conseguira falsificar a História de Portugal.
Ele disse-me
que assistira à Revolução dos Cravos dos Capitães de Abril
e que
vira com «os olhos que a terra há-de comer» o que acontecera e
as suas
consequências.
Disse-me
que os Capitães foram os maiores traidores que a
nossa História
conhecera, porque entregaram aos comunistas todo o nosso Império,
enganando os Portugueses e os naturais dos territórios,que nos
pertenciam por direito histórico. Que a guerra no
Ultramar envolvera
toda a sua geração e que nela sobressaíra a valentia
dum povo
em armas, a defender a herança dos nossos
maiores.
Que
já não existia ditadura Salazarista, porque Salazar já
tinha morrido
na altura e que vigorava a Primavera Marcelista
que, paulatinamente,
estava a colocar Portugal na vanguarda da Europa.
Que hoje
o nosso país, conjuntamente com a Grécia, são os países
mais atrasados
da Comunidade Europeia.
Que
Portugal já desfrutava de muitas liberdades ao tempo do
Professor Marcelo
Caetano, que caminhávamos para a Democracia sem
sobressaltos, que
os jovens, como eu, tinham empregos assegurados, quando
terminavam os
estudos, que não se drogavam, que não frequentavam antros
de deboche
a que chamam discotecas, nem viviam na promiscuidade
sexual, que
hoje lhes embotam os sentidos.
Disse-me
também que ele sabia o que era Deus, a Pátria e a Família
e que
eu sou um ignorante nessas matérias. Aliás, eu nem sabia que
a minha
Pátria era Portugal, pois o Senhor Professor ensinou-me que
a minha
Pátria era a Europa.
O
meu pai disse-me que os governantes de outrora não eram corruptos
e que
após o 25 de Abril nunca se viu tanta corrupção como
actualmente.
Também
me disse que a criminalidade aumentara assustadoramente
em Portugal
e que já há verdadeiras máfias a operar, vivendo à custa
da miséria
dos jovens drogados e da prostituição, resultado do
abandono dos
filhos de pais divorciados e dum lamentável atraso cultural,
em virtude
de um Sistema Educativo, que é a nossa maior vergonha,
desde há
mais vinte anos.
Eu
fiquei de boca aberta, quando o meu pai me disse que a
Censura continuava
na ordem do dia, porque ele manda artigos para
alguns jornais
e não são publicados, visto que ele diz as verdades, que
são escamoteadas
ao Povo Português, e isso não interessa a certos
orgãos de
Comunicação Social ao serviço de interesses
obscuros.
O
meu pai diz que o nosso país é hoje uma colónia de Bruxelas, que
nos dá
esmolas para nós conseguirmos sobreviver, pois os tais Capitães
de Abril
reduziram Portugal a uma «pobreza franciscana» e que o
nosso país
já não nos pertence e que perdemos a nossa
independência.
Perguntei-lhe
se ele já ouvira falar de Mário Soares, Almeida
Santos, Rosa
Coutinho, Melo Antunes, Álvaro Cunhal, Vítor Alves, Vítor
Crespo, Lemos
Pires, Vasco Lourenço, Vasco Gonçalves, Costa Gomes,
Pezarat Correia...
Não pude acrescentar mais nomes, que fixara com
enorme sacrifício
e trabalho de memória, porque o meu pai começou a
vomitar só
de me ouvir pronunciar estes nomes.
Quando
se sentiu melhor, disse-me que nunca mais lhe falasse em
tais «sacanas
de gajos», mas que decorasse antes os nomes de Vasco da
Gama, Pedro
Álvares Cabral, Diogo Cão, D. João II, D. Manuel I,
Bartolomeu Dias,
Afonso de Alburquerque, D. João de Castro, Camões, Norton
de Matos,
porque os outros não eram dignos de ser Portugueses, mas
estes eram
as grandes e respeitáveis figuras da nossa
História.
Naturalmente
que fiquei admirado, porque o Senhor Professor nunca
me falara
nestas personagens tão importantes e apenas me citara os
nomes que
constam dos textos do Professor Fernando Rosas.
Senhor
Professor, dada a circunstância do meu pai ter visto,
ouvido, sentido
e lido a Revolução de Abril, estou completamente
baralhado, com
o que o Senhor me ensinou e com a leitura dos textos de apoio. Eu julgo
que o meu pai é que tem razão e, por isso, no próximo teste,
vou seguir
os conselhos dele.
Não
foi o Senhor Professor que disse que a Revolução nos deu
a liberdade
de opinião? Certamente terei uma nota negativa, mas o
meu pai
nunca me mentiu e eu continuo a acreditar nele.
Como
ele, também eu vou pôr uma gravata preta no dia 25 de Abril,
em sinal
de luto pelos milhares de mortos havidos no nosso
Império, provocados
pela Revolução dos Espinhos, perdão, dos Cravos.
O
Senhor disse-me que esta Revolução não vertera uma gota de sangue
e agora
vim a saber que militantes negros que serviram o
exército português,
durante a guerra, que o Senhor chamou colonial,
foram abandonados
e depois fuzilados pelos comunistas a quem foram
entregues as
nossas terras.
Desculpe-me,
Senhor Professor, mas o meu pai disse-me que o Senhor
era cego
de um olho, que só sabia ler a História de Portugal com o
olho esquerdo.
Se o Senhor tivesse os dois olhos não me ensinaria
tantas asneiras,
mas que o desculpava porque o Senhor era um jovem
e certamente
só lera o que o Professor
Fernando Rosas
escrevera.
2 comentários:
Esta carta tem um esquecimento muito grave: a existência deste caneiro a céu aberto que é a Internet, onde circula livremente trampa como esta carta.
No tempo do Estado Novo não havia disto, as verdades e as mentiras diziam-se boca a boca, pelo que podiam logo ser confirmdas ou desmentidas.
Agora este caneiro a céu aberto produz um efeito de ampliação da mentira demolidor que tudo relativiza, tornando a mentira igual à verdade.
Mas... a que mentira o meu caro Manuel da Silva se refere?!!!...
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