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18 maio 2019

No Espaço Público...

… que José Pacheco Pereira 
edita aos domingos no jornal
"Público" transcrevo alguns excertos
do artigo a que deu o título de
"A hostilidade aos professores."
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José Pacheco Pereira
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"Os professores têm muitas culpas, mas isso não esconde que têm hoje uma das mais difíceis profissões que existem. E que, sem ela, caminhamos para o mundo de Camilo."
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...a vaga de hostilidade aos professores atingiu níveis elevados, com a comunicação social a escavar fundo a ferida, com sondagens orientadas e uma miríade de artigos de opinião e editoriais.
Valia a pena parar para pensar, porque este movimento de hostilidade é mais anómalo do que se pensa, e acompanha outros, como o ataque aos velhos como sendo um "fardo" dos novos. Mostram que estamos a entrar numa cosmovisão social que implica um retrocesso enorme naquilo a que chamamos precariamente "civilização".
(…)
Portante, gritem contra a função pública e os malefícios do Estado -- que também existem, como é óbvio --, mas percebam que o pacote de não ter professores, enfermeiros, médicos, jardineiros, funcionários das repartições leva atrás de si o ensino e a saúde pública, que são componentes essenciais do elevador social, o único meio de retirar as pessoas da pobreza, quer no privado quer no público. Pais lavradores, que conheceram a verdadeira pobreza, filha professora primária ou funcionária pública, neto estudante universitário -- sendo que o papel da educação é um elemento fundamental para esta ascensão.
(…)
Depois há outros ingredientes. Os professores protestam, fazem greves, boicotam exames, fecham escolas, e hoje há uma forte penalização para as lutas sociais. Quem defende os seus interesses é penalizado e de imediato tem contra si muita comunicação social, o bas-fond das redes sociais e a maioria da opinião pública. São os enfermeiros, os camionistas, os professores, os trabalhadores dos transportes -- manifestam-se, são logo classificados de privilegiados e egoístas. Os mansos que recebem migalhas no fundo do seu ressentimento invejam quem se mexe. Sem mediações, a sociedade esconde os que não precisam e pune os que lutam. As greves hoje são solitárias.
(…)
O papel mais negativo é o da comunicação social, que se coloca sempre na primeira linha do combate ao protesto social. Despreza por regra os sindicatos, que considera anacrónicos.
(…)
Por fim, e o mais importante, há uma desvalorização do papel do professor, de ensinar, de transmitir um saber. Vem num pacote sinistro que inclui o falso igualitarismo nas redes sociais, o ataque à hierarquia do saber, o desprezo pelo conhecimento profissional resultado de muito trabalho a favor de frases avulsas com erros e asneiras, sem sequer conhecer aquilo de que se fala. É o que leva Trump a dizer que se combatia o incêndio de Notre-Dame com aviões tanques atirando toneladas de água, cujo resultado seria derrubar o que veio a escapar, paredes, vitrais, obras de arte. É destas "bocas" que pululam nas redes sociais que nasce também a hostilidade aos professores. É o ascenso da nova ignorância arrogante, um sinal muito preocupante para o futuro.
(…)
Os professores têm muitas culpas, deveriam aceitar uma mais rigorosa avaliação profissional, deveriam evitar ser tão parecidos com estes novos ignorantes, deveriam ler e estudar mais, deveriam ser severos com as modas do deslumbramento tecnológico, mas isso não esconde que têm hoje uma das mais difíceis profissões que existem. E que, sem ela, caminhamos para o mundo de Camilo. Não de Eça, mas de Camilo, do Portugal de Camilo. Verdade seja que isto já não significa nada para a maioria das pessoas. Batam nos professores, e depois queixem-se…
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José Pacheco Pereira,
no "Público",
hoje, dias 18 de Maio de 2019

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