Saio para estrada às 10h 30m e vou direito à Ponte Vasco da
Gama. Tinha resolvido ir direito a Oleiros e tentei experimentar o IP6. Pouco
depois rodava na A1. Ultrapassei as
saídas para a Azambuja e Santarém para atingir, mais adiante, a saída de Torres
Novas. Percorri o IP6 quase até Abrantes. É uma estrada magnífica com uma
estrutura igual a Autoestrada. Saí, no Sardoal, com rumo a Vila de Rei, Sertã
e Oleiros. Até depois de Vila de Rei a Estrada é do estilo de um IP mas antes e
depois da Sertã a estada continua uma "trampa" com as mesmas curvas que por ali
havia há muitos anos... Andei perdido na Sertã porque aquela “Câmara”
continua a prejudicar as saídas para Oleiros... Não havia uma indicação
decente...
Já em Oleiros, subi pelo Ramalhal e estacionei na rampa junto do Prontinho
onde almocei. Eram quase duas horas... Na mesa do centro um grupo de “cidadãos”
engravatados, no meio dos quais o Presidente da Câmara. Subi as escadinhas lá para cima, no meio de
um grupo onde ouvi uma voz brasileira. Uma jovem morena com o filho pequeno ao
colo desviou-se um pouco quando alguém lhe disse que eu queria passar... É
claro que eu estava sem pressa nenhuma! Podia muito bem subir também nas
calmas, no meio do grupo... Mas quiseram ser gentis a ponto de a rapariga,
muito gentil, me pedir desculpa por estar a obstruir a minha subida... um pouco
mais rápida. Só então ouvi a sonoridade e o sotaque daquela voz tão doce... E
logo me lembrei da Malú do Planalto! O que é que lhe teria acontecido?!
Comi Maranhos. Um doce e um café... com um cheirinho de
Medronho.
Eram quase três horas quando saí. Subi a rampa onde deixei o
Clio e entrei no Outeiro para inflectir para a rua Padre António Andrade. Ao
passar pela casa antiga reparo que no rés do chão já funciona a loja nova do
José Dias. Entrei e falei um pouco com ele. Depois entrei no café para tomar
outra bica. Estavam as filhas do Zé Boaventura e logo a seguir a mulher do Zé
estava ali, fora do balcão, a falar comigo e admirada por me ver ali. Mandou
uma das filhas chamar o marido que, segundo me disse depois, já entregou a gerência
do Café às filhas. Enquanto o Zé não chegou conversei com a mulher que me deu
informações sobre as pessoas que eu queria contactar.
Fiquei a saber que o primo Francisco Romão estava por lá. Que
tinha falecido há duas ou três semanas em Viseu, a Clotilde, mãe da Ana Máxima,
em condições muito precárias... Não lhe bastou a morte da Ana Máxima e a “vida”
do Arnaldinho... Ainda por cima os filhos deste se meteram na droga e deram
cabo do resto que a avó teria...
Disse-me ainda que a Guiomar tinha tido uma trombose, mas
isso eu já sabia... O que não sabia é que a Arminda também tinha tido um
Acidente Vascular Cerebral e a Aura teria tido uma coisa semelhante e estaria
agora em Tomar, numa Casa de Saúde...
Quando falava comigo, a mulher do Zé informou-me que o Tó
tinha acabado de chegar. Na verdade, um rapazão de trinta e poucos anos acabara
de entrar com a mulher e foi chamado ao pé de nós... Era um dos filhos da
Gracinda e do prof. Matos. Não o conhecia já... Apenas conheço, e mal, uma das
irmãs, a Ana que estudou em Castelo Branco e esteve em casa do Olímpio nessa
altura. Falámos um pouco e acabou por me apresentar também o filho do Zé
Fernandes, da mesma idade e com um físico que nada deve ao corpo do Pai quando
tinha a idade dele...
O Tó contou-me coisas sobre a família... mas ele já está
habituado àquele “espectáculo” porque entra nele todos os dias...
Depois chegou o Zé Boaventura e falámos outro tanto. Só então
voltei à Devesa para ir buscar ao carro o Livro de Curso de Direito que o Dr. Francisco
Romão ofereceu ao meu Pai, em 1935, quando se formou. Levei também uma colecção
dos Jornais “50 Anos” que fiz no ano passado, onde está o artigo sobre o Dr. José
Maria Mendes. Ofereci-a também ao Dr. Francisco... mas estou em crer que ele
não volta a olhar para aquilo...
Trouxe o Clio para junto da casa das primas. Quando estava a
sair do carro chegava também o Tó e a mulher... Não sei porquê lembrei-me da D.
Maria Luísa... Mas há uma diferença abissal entre a mulher do Tó e a mulher do
primo Francisco!! Aquela vive no ano
2000... é toda prá-frentex... porque todas as raparigas agora são
prá-frentex... Bonitas... alegres... simpáticas... muito dadas... estando-se
nas tintas para as conveniências e para a moral dos outros!! Difícil... difícil... era mesmo ser-se tudo
isto e viver-se em 1945!!!... E a Dona Maria Luísa era tudo isto e fazia tudo
tão naturalmente que até nós, os miúdos de então, não achávamos nada mal as
coisas que ela dizia ou fazia e, eventualmente, poderiam por de rastos as
normas éticas daquela família austera e muito conservadora!
A Dona Maria Luísa, a mãe da Belisa que eu nunca mais vi,
faleceu no Porto há pouco mais de um ano. Mas tenho na memória a imagem daquela
bela mulher quando ela teria trinta e poucos anos! E ainda bem que tal sucedeu...
O mesmo não posso dizer das cunhadas dela, mulheres novas e
bonitas... mulheres cheias de interesse... meninas prendadas... em 1945...
Aquilo que eu vi hoje quando entrei naquele casarão que encerra uma boa parte
da minha memória não pode ser traduzido...
Estive na salinha de estar, onde eu “era obrigado” a rezar o
terço todas as noites, em grupo, com uma delas a “comandar” de rosário na mão,
com a Guiomar, a Hermínia, e a Arminda. O Primo Francisco também lá estava.
Uma tristeza! A Guiomar, a mais nova e a mais bonita... a que
foi Presidente da Câmara pelo CDS, a que teve o desgosto de ver o apaixonado de
então, o Dr.Ilharco, casar-se com a
sobrinha (Ana Máxima)... está uma velhinha! Mais velhinha que as irmãs mais
velhas... Achei-a agora muito parecida com a Mãe, a Prima Teresa...
A Hermínia está velhinha... mas continua igual à Hermínia de
então! Franzina... a mesma voz... os mesmos olhos. Os cabelos agora brancos e
uma saudade dos tempos idos estampada em todas as suas palavras... Já nem choraram
os olhos quando pousaram nas fotografias que lhes levei... Devem ter-lhes
secado as lágrimas com tanto sofrimento passado nos últimos anos.
Numa estante, embutida na parede, junto de uma fotografia, que faz parte da minha memória há muitos anos, e em que ressalta a figura do primo Artur Romão, o patriarca daquela casa, que se deixou retratar sentado numa cadeira de encosto; uma outra fotografia ali permanece, a do Cónego Augusto Romão...
Dizem-me que a Arminda
teve um qualquer AVC. Não parece nada! Para lá da idade que tem, quase noventa
anos, foi a única que conversou comigo com mais “fio de conversa” e me contou
um pouco daquela casa... tão alegre em tempos e agora tão soturna e tão
triste... Recordámos, com ela a dar o mote, algumas patifarias que as primas
nos faziam quando, no verão, passávamos por lá as férias... E foi ela a
recordar, pela primeira vez que eu me lembre, da causa que levou ao
arrefecimento das relações que todos tínhamos uns com os outros. Falou
expressamente, sem papas na língua, mas com uma mágoa forte e uma ternura entrelaçadas, na imposição
feita pelo tio cónego de não achar bem que dois rapazes frequentassem tão
assiduamente aquela casa onde só havia raparigas... O “estupor” do velho padre!!
Que viu maldade num convívio são de mulheres feitas, de mulheres sérias, de
mulheres educadas e dois rapazolas o mais velho dos quais teria 16 anos!!
A memória longínqua dos tempos pode regressar agora para nos
interrogarmos, como então o teríamos feito, sem sombra de maldade, sobre a circunstância
de um tio cónego, velho e mal formado... “exigir” que duas das suas sobrinhas
fossem ficar em casa dele, no Outeiro, quase todas as noites?
Só
à saída estive com a Celestina... Mais valia que a não tivesse visto!
Lembrei-me da minha Mãe. Eram quase da mesma idade. A minha Mãe mais velha um
ano... ou talvez dois... Mas que diferença! A minha Mãe viveu até ao fim!!...A
Celestina já não vive há muitos anos...
Despedi-me. Disseram coisas bonitas nas despedidas...
Fiz força para conter as lágrimas... antes de sair daquela
casa! Aquelas primas, com certeza, não mereciam este fim de vida...
Depois, e sempre a pé, fui fazer uma romagem de saudade!
O primeiro a ser visitado, por indicação do Zé Boaventura,
foi o Leonardo Pereira Rei, filho do Artur Rei. Papelaria na Devesa que já
“passou” à mulher e à filha. Ao lado ele tem um escritório de Seguros, entre
eles a AXA.
Falámos de gente amiga e foi bom que o tivéssemos feito.
Depois fui ver do Celestino. Não estava mas estava a Lisete que me disse que a
Ilda e o Quim estavam por lá. Estavam em casa da Fernandita que também tinha
vindo a Oleiros. Como eu ia à procura do Tonito Guimarães, um dos filhos do
Sr.Júlio, que tem uma casa de pneus lá para a estrada que vem de Castelo Branco, e a
casa da Fernandita é também para aqueles lados, resolvi fazer as duas visitas.
Só que o Tonito não estava cá em Oleiros.
Ao lado das instalações dos pneus há uma rua que sobe e que
tem duas moradias no lado esquerdo de quem sobe. Em frente da primeira estava
estacionado um carro à sombra. Era o carro do Quim... Toquei à campainha mas
ninguém atendeu! Só então olhei para cima e vi o Quim no jardim da vivenda a
seguir. O carro dele só estava aproveitando a sombra.
O João Ramos estava de partida para Castelo Branco. A Mãe dele está
no Hospital. Teve um AVC... mas está a melhorar.
Fiquei por lá durante um pouco da tarde e foi então que a
Ilda, de conluio com a Fernandita, me convenceram a ficar lá em casa esta
noite, em vez de ir para Castelo Branco e ter de regressar de novo amanhã de manhã.
Eu ainda não tinha terminado as visitas da minha Romagem...
Faltava o Augustito do Cabeço a quem tinha trazido umas garrafas de Moscatel.
Vim para a Vila no carro do Quim que, antes, quis fazer umas voltinhas até ao
outro lado da ribeira. Estivemos na Senhora das Candeias para depois irmos ao
Ribeiro da Serra, cuja casa antiga está uma ruína e regressámos à Vila pelo
Ramalhal, tendo-me deixado na Praça, perto da casa das Primas Romões, onde eu
ainda tinha o carro. Só então fui a casa do Augusto de Matos. É claro que ele e
a Isabel fizeram força para que eu lá jantasse. Mas eu já tinha o jantar em
casa do Celestino. O neto da “produção independente” faz hoje dois anos e há
festa lá em casa! Não podia dizer que não... Nem eu queria dizer!! Só que não
podemos jantar em três sítios ao mesmo tempo e temos de escolher... Desta
maneira, o Augusto quis que eu provasse o vinho dele e comesse um presunto que
foi buscar e cortou ali mesmo à minha frente...
Uma delícia! Tanto o vinho como o presunto!... E tanto mais
saboroso ficava quanto mais ele ia avançando na explicação do processo de o
preparar! Além do sal... o processo mete também aquele vinho bom que
estávamos provando. É claro que esta prova demorou mais do que o
previsto. Quando cheguei a casa do Celestino já estava quase toda a gente... E
a sala, lá no primeiro andar ficou cheia bem depressa. A mesa... essa estava
carregada de comida, de doces, de bolos, de petiscos. Os vinhos também não eram
maus... Abanquei com o Celestino e um amigo dele tão amigo de falar como amigo
de beber... Está reformado da Estiva. Conhece meio Portugal e regressou às
origens, reformado, há sete anos. Não me pareceu que aguentasse muito porquanto
aquela febre de falar devia ser espevitada pelos...copos! No fim, o Celestino
não deixou que ele fosse sozinho para casa...
Acabada a festa, com o puto pequeno a apagar a vela do bolo de
anos, regressámos à vivenda do João Ramos que entretanto tinha voltado de
Castelo Branco com melhores notícias sobre a Mãe. A noite estava magnífica com
uma lua quase cheia e uma ou outra nuvem muito dispersa passando sobre ela. Ali
num pequeno terraço junto à porta lateral da casa nem se fazia sentir o fraco
vento que fazia. E a conversa foi até às duas horas da manhã... Depois a Ilda e
o Quim foram ficar a casa da Mãe da Fernandita e eu dormi como um anjo num
verdadeiro quarto de hotel... O silêncio era absoluto!
Esta noite, as festas da Vila decorreram na área da Piscina!
Era a noite da Espuma... Imagino... Nem ao longe se ouvia a música! O vento
fraco que se sentia devia soprar a nosso favor...
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