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08 abril 2022

No dia 8 de Abril de 1970...

...passava um pouco das 18.30 horas,
no edifício do Governo Civil de Setúbal
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Ex.mo Sr. Governador Civil
Ex.mo Sr. Presidente da Câmara Municipal 
Meus Senhores
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Nesta fase da vida da Nação em que mais do que as palavras deveriam contar as acções, toda a reunião de palavras escritas ou ditas com pretensão a discurso mais ou menos laudatório, bem poderia ser passível de pagamento de uma contribuição. A única coisa que prometo é que serei muito breve, para não vir a correr aquele risco.
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Cabe-me pronunciar algumas palavras nesta cerimónia de posse, e as primeiras servirão decerto para agradecer a V.Exª, senhor Governador Civil, as palavras imerecidas, as palavras amáveis mas acima de todas, as palavras realistas e amigas que teve a bondade de me dirigir. Desejo que fique bem expresso, neste momento, o meu público reconhecimento relativo à confiança que em mim depositou, ao propor o meu nome para o desempenho do cargo, em que acabo de ser empossado.
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Não creio ser necessário recordar que pertenço a uma geração igual a tantas outras antes e depois da minha, cuja educação política se resumiu, praticamente, à leitura de um Martins Afonso, alguns dias antes do exame de Organização. No entanto, e mercê de uma formação marcadamente positiva, em que a interpretação dos factos nunca é feita sem que o objecto seja observado segundo os mais diversos ângulos e nos seus mais variados aspectos, defini para mim uma posição que, dentro de uma flexibilidade sempre aconselhável, tem sido permeável às boas iniciativas e a todos os movimentos que visem a elevação do nível cultural, o aumento do nível económico e a melhoria do bem estar social das populações.
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Posso afirmar, sem correr o risco de molestar a consciência, que tenho permanecido à margem da vida política, sem experiência alguma da vida pública. Mas é precisamente isso que eu penso constituir uma vantagem na situação de facto em que, a partir de hoje, me passo a encontrar. Não sou nem nunca me considerei um Homem-Político. Mas se é política dignificar uma função que nos é entregue, se é política defendermos até ao último argumento os interesses de uma colectividade, por mais restrita ou ampla que ela se apresente, então nesse caso terei até muito prazer que me considerem como tal.
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O tempo é de luta! As batalhas que vão seguir-se no desenvolvimento económico do país serão mais animadoras, se todos lutarmos e se novos efectivos forem chamados a prestar serviço nas fileiras. Pode V.Exª, Senhor Governador transmitir ao Governo que aqui representa que urge, a todo o tempo, recuperar atrasos, que se torna necessária uma consciencialização política dos jovens que despontam, que importa uma formação acelerada de quadros dirigentes, mas interessa sobremaneira dar uma oportunidade à Juventude consciente da Nação.
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Quantos valores se perderam! Quantos valores esquecidos não teriam deixado de prestar o seu contributo! Pois creio que é chegada a altura de interessar nos assuntos que são de todos nós essa Juventude silenciosa que acabará por chegar, mais tarde ou mais cedo, a conclusões próprias, tantas vezes distorcidas, mercê de uma óptica colorida que deforma num só sentido. E sobre essa Juventude interessada e responsável é que importa alicerçar devidamente os caminhos do futuro.
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A V.Exª. Senhor Presidente da Câmara, gostaria também de apresentar os mais sinceros agradecimentos pela honra que me conferiu, ao escolher-me para seu primeiro colaborador. Quando no início de Outubro de 1959 me apresentei em Setúbal, de posse de uma nomeação que me permitia leccionar no Liceu, eu apenas desejei ter a possibilidade de poder manter-me na cidade por motivos de ordem familiar. Nada mais me ligava a Setúbal. Com o decorrer do tempo, durante o qual muito fui ouvindo sobre a História antiga e sobre a Crónica contemporânea da Cidade, tomei conhecimentos, fui granjeando amizades e fui conhecendo mais de perto os problemas e anseios desta cidade que me aceitou. Assisti à crise de crescimento que a acolheu e ultrapassou nesta década de sessenta, e acompanhei mais de perto as suas incidências educacionais. E, aos poucos, sem sentir, dei comigo a considerar como meus os problemas das gentes de Setúbal.
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O facto de não ter nascido nesta cidade à beira do Rio Azul, teria sido motivo de reflexão aturada, por parte da Entidade que tivesse de decidir sobre a escolha de um futuro Vice-Presidente da Câmara. E se V.Exª, Senhor Presidente, achou que deveria ser eu a pessoa indicada para o desempenho dessa função, devo supor que desde há muito me considera seu conterrâneo. Também esse público reconhecimento eu aqui lhe quero agradecer. É V.Exª, por formação, devotado às coisas do Ensino, e não creio que estes anos de afastamento lhe tenham feito perder as suas qualidades de professor que sempre foi. Vai ter oportunidade de poder trabalhar um aluno incipiente, nestes assuntos de administração. Mas se é condição fundamental no bom rendimento pedagógico que exista uma total do confiança no Professor por parte do Aluno, que haja um respeito mútuo e um mútuo à vontade nas suas relações lectivas e para-lectivas, e que exista uma perfeita consciência dos fins a atingir, eu posso adiantar, na minha qualidade de discente, que V.Exª terá um rendimento invejável. Será tudo uma questão de tempo.
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Senhor Dr. Seabra Carqueijeiro, quis V.Exª, com as suas palavras vigorosas, dar maior brilho a esta reunião. As palavras modestas com que posso agradecer-lhe não se coadunam, de modo algum, com a projecção política que a este acto foi emprestada com a presença de V.Exª. Bem-haja pelas suas palavras! Bem-haja pela sua presença!
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Estamos na Primavera, meus Senhores e minhas Senhoras, mas porque não vejo onde haja lugar para flores ou para poetas, só posso desejar que vão surgindo, num ritmo cada vez mais intenso, todos aqueles que de pés bem assentes na Terra acreditem e não tenham medo de o afirmar bem alto que “o desenvolvimento de um Povo só pode resultar do esforço de todos nós”. Não faltam as tarefas. O que tem faltado é vontade de cumprir da melhor maneira a tarefa de cada um.
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Não quero prolongar por mais tempo as minhas palavras. Mas seria injusto se não assinalasse a presença amiga e sempre estimulante dos alunos do Liceu, que ainda há pouco partilhavam comigo os bons e os maus momentos vividos no interior das salas de aula. Que a força de ânimo nunca os abandone, para que possam lutar pelos seus ideais e pela Razão, até ao último alento.
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Termino agora e apresento desculpas pelo tempo que esta cerimónia vos fez perder. Para mim é sempre um ganho de tempo aquele que perco com os Amigos."
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jjmatos
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Faz hoje 52 anos.

1 comentário:

Olímpio Matos disse...

Para memória futura . No futuro em que já estamos . Abraço .