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19 fevereiro 2014

"Um pedido de casamento"...

...de Anton Tchekhov.
Foi em 25 de Maio de 1962!... Foi um êxito cultural na nossa cidade.
Os finalistas do Liceu Nacional de Setúbal levaram à cena, no Cine Teatro Luisa Todi, uma peça de Tchekhov, devidamente ensaiados pela professora Dr.ª Ausenda de Carvalho Caetano Paulino Pereira.
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A Clara Correia acaba de entregar um ramo de flores à paciente ensaiadora DrªAusenda Pereira, enquanto o António Manuel Fráguas e o Custódio Santana agradeciam os imensos e demorados aplausos que uma plateia inteira lhes oferecia.
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Personagens:
Stepan Stepanovitch Tchubukov – proprietário rico
             (papel desempenhado pelo António Manuel do Nascimento Fráguas)
Ivan Vassilyevitch Lomov – vizinho de Tchubukov, proprietário rico, bem nutrido, hipocondríaco.
             (papel desempenhado pelo Custódio Janeiro Santana)
Natalya Stepanova – Filha de Tchubukov, vinte e cinco anos de idade.
             (papel desempenhado pela Maria Clara Dias Costa Correia)
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Trata-se de uma peça esplêndida, cheia de humor que vale a pena reler de novo...
Deixo aqui transcritos, os primeiros momentos deste precioso apontamento teatral: 

Sala de estar em casa de Tchubukov – Tchubukov e Lomov. O último entra, envergando trajo de cerimónia e luvas brancas.
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Ivan Vassilyevitch Lomov e Stepan Stepanivitch Tchubukov

(…)Tchubukov – (indo ao encontro de Lomov): -- Meu caro! Quem vejo eu? Ivan Vassilyevitch! Encantado! Que agradável surpresa, meu velho! Como passou?
         Lomov – Bem, obrigado. E o senhor?
Tchubukov – Vamos andando, graças às suas preces, meu amigo, e a tudo o mais. Faça favor de se sentar. Bem sabe que não se deve esquecer os vizinhos, meu caro. Mas para quê toda esta cerimónia? Fraque, luvas… e tudo o mais. Vai fazer alguma visita?
Lomov – Não, vim apenas vê-lo, respeitável Stepan Stepanovitch.
Tchubukov – Então para que foi preciso enfiar esse fraque? Como se fosse fazer visitas em dia de Ano Novo!
Lomov – O senhor bem vê, as coisas são como são. (agarra-lhe o braço). Venho, respeitável Stepan Stepanovitch, importuná-lo com um pedido. Já tive a honra de lhe pedir auxílio, mais de uma vez, e o senhor nunca deixou de… como direi? Desculpe-me, estou perturbado. Se me dá licença, vou beber um copo de água, respeitável  Stepan Stepanovitch (bebe água).
Tchubukov – (à parte): Vem pedir dinheiro. Não lhe empresto nem um  copeck. (para Lomov): Então de que se trata, minha jóia?
Lomov – O senhor bem vê, respeitável Stepan Stepanovitch… peço-lhe que me desculpe. Estou terrivelmente agitado, como pode ver. Em suma, ninguém me pode ajudar senão o senhor, embora, valha a verdade, eu não tenha feito nada que mereça essa ajuda… e… não tenha o direito de contar com o seu auxílio.
Tchubukov – Não esteja com rodeios! Vamos ao que importa! Então?
Lomov – Imediatamente, num momento. O facto é que eu venho pedir a mão de sua filha, Natalya Stepanovna.
Tchubukov – (alegremente): O senhor, meu caríssimo amigo! Ivan Vassilyevitch, repita o que disse. Parece-me que não ouvi bem…
Lomov – Tenho a honra de…
Stepan Stepanovitch (interrompendo-o): Meu caro, estou encantado, simplesmente encantado. (abraça-o e beija-o). Foi sempre o meu maior desejo. (verte uma lágrima). Sempre o estimei, meu anjo, como se fosse meu filho. Deus dê a ambos amor e bons conselhos, e tudo o mais. Sempre desejei isto. E porque estou eu aqui especado como um poste? Estou doido de alegria, completamente doido. Oh! Do íntimo do coração! Vou chamar Natacha.
Lomov – (comovido): Respeitável Stepan Stepanovitch, qual é a sua opinoão? Acha que posso ter esperança dela me aceitar?
Tchubukov – Um homem perfeito como o senhor e não o há-de aceitar. Tenho a certeza que vai ficar perdidinha de amores pelo senhor. Um momento (sai).
Lomov – Tenho frio, todo eu tremo como se estivesse num interrogatório. O principal é a gente decidir-se. (senta-se). Se pensamos muito no assunto, se hesitamos se o discutimos, se esperamos pelo nosso ideal ou pelo verdadeiro amor, nunca chegamos a casar. Brr! Tenho frio! Natalya Stepanovna é uma excelente dona de casa, tem boa figura, é instruída, que mais quero eu? Mas lá estou a sentir os ruídos na cabeça. Estou tão nervoso! (bebe um golo de água). E tenho de casar. Em primeiro lugar tenho trinta e cinco anos – Uma idade crítica. E, além disso, necessito de uma vida regular, muito bem ordenada… Sofro do coração, a cada passo tenho palpitações. Sou violento e irrito-me com toda a facilidade. Agora, por exemplo, os lábios tremem-me e a pálpebra esquerda pestaneja… Mas o que me causa maior mal estar é o sono.. Quando me deito, e estou quase a pregar olho, sinto uma pontada atroz na ilharga esquerda e punhaladas no ombro e na cabeça. Salto da cama como doido. Dou uma volta pelo quarto e depois deito-me outra vez.. Mas mal me deito ao comprido, lá volta outra vez a pontada atroz na ilharga. E acontece a mesma coisa mais de vinte vezes.
(entra Natalya).
Natalya – Ah! É o senhor! E o meu pai que me disse que tinha chegado um comprador para os géneros. Como passou, Ivan Vassilyevitch?
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No final apoteótico, o Fráguas Tchubukov, a Clara Natalya e o Custódio Lomov agradecem os muitos e mercidos aplausos que a plateia inteira, de pé, lhes ofereceu e que ouviram durante mais de três minutos (!!! Bravo!!!)...
      
O êxito desta representação de Anton Tchechov deve-se em boa parte à ensaiadora DrªAusenda Paulino Pereira, também ela imensamente felicitada pelo êxito dos seus alunos.

Dr.ª Ausenda de Carvalho Caetano Paulino Pereira

NB - Esta peça de Tchekhov foi à cena, em Setúbal, no Cine Teatro Luisa Todi, na noite de 25 de Maio de 1962, pelos Finalistas do Liceu Nacional de Setúbal, sob a orientação da Dr.ª Ausenda de Carvalho Caetano (Paulino Pereira).
No Teatro Experimental do Porto, as peças teatrais "A gota de mel", "Nau Catrineta" e "Um pedido de casamento" constituiram o tríptico estreado em 18 de Junho de 1953, no Teatro Sá da Bandeira, com um sucesso que levou a que o espectáculo fosse levando em digressão.
As origens do CCT/TEP remontam a uma noite de Novembro de 1950 em que, por convocatória oral de Manuel Breda Simões, um grupo de cidadãos interessados na teoria e prática teatral reúne-se nas instalações do Instituto Francês, no Porto
A companhia estreou o seu primeiro espectáculo em 1953, sob a direcção de António Pedro que permanece à frente do Teatro Experimental do Porto (TEP), de 1953 a 1961, transformando-o numa experiência sem precedentes no teatro português.
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Na época de 1957-58, António Pedro e o TEP levaram à cena, no Teatro Sá da Bandeira, a peça de Bernardo Santareno  "A Promessa". Não consegui bilhete no dia da estreia, pois a lotação esgotou rapidamente, mas obtive o meu ingresso para o segundo dia da récita... E foi a minha sorte! Já não houve terceiro dia. A Pide já não deixou...  

1 comentário:

Ana Fráguas disse...

Obrigada! Enviei ao meu pai , António Manuel do Nascimento Fráguas que ficou contentíssimo com esta relíquia! Cumprimentos! Ana Margarida Fráguas