...é um artigo de “Opinião” de
Vasco Pulido Valente
no “Público” – Dom 01 12 2013
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Vasco Pulido Valente
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“Um dia, em 1984 ou 85, no meio de uma daquelas zaragatas em
que os portugueses são especialistas, escrevi que o fim do “marcelismo” tinha
sido a época mais feliz da minha vida. A indignação dos jornalistas foi grande:
só um monstro podia gostar de viver sob uma ditadura.
Em 1973, com o doutoramento acabado de fazer, alguns tostões
para gastar no Gambrinus e a certeza
mais maciça que o regime não durava
muito, o mundo não me parecia mal. Nesse tempo bárbaro ainda era permitido
fumar no átrio da Biblioteca Nacional e nos restaurantes, quase ninguém era
multado pela polícia de trânsito e as praias do Algarve estavam quase vazias. O
começo de uma vida livre, numa democracia à europeia, sem guerra e sem colónias,
parecia eminente. E, mais do que iminente, irresistível.
Não veio nada disso. Veio o Dr.Cunhal com a ambição de
transformar Portugal numa espécie de Bulgária do Sul. E veio com ele o insulto,
a ameaça, a grosseria e uma violência larvar a que nada escapava. Bandos de
loucos gritavam pelas ruas; e as glórias da “canção de protesto” e da “inteligência”
indígena iam inclinar a cabeça e o espírito perante um coronel analfabeto, que
o PC protegia.
A universidade, já indecorosa, deixou de existir. As famosas
“reuniões gerais de escola” não passavam de comícios para eliminar professores
alegadamente “fascistas” e pôr lá outros que dessem garantias de zelar pela “revolução”.
A censura, militar e civil, voltou para a televisão e os jornais (no DN, guiada
por José Saramago) e a boa doutrina prosperou para encanto do povo e delícia da
fé.
Entre o “25 de Novembro” ao nosso pequeno apocalipse de
2011, cá fomos penando, resignados, com um ocasional ataque de optimismo: a
entrada para a “Europa”, o advento do euro, um certo progresso material, que nós,
na nossa ingenuidade, tomávamos por seguro. Entretanto, a maioria dos
portugueses não percebeu que a levavam para o desastre. Só quando lhes caiu o
tecto na cabeça descobriu que, se calhar, a casa não era perfeita. Mas, como de
costume, não se apuraram razões, nem responsáveis. A desgraça seguiu o seu
caminho e Sócrates voltou de Paris com uma redacção de mestrado, que apresentou
por aí como a obra de filosofia, indispensável ao ressurgimento da Pátria.
Quem
nos toma a sério?”
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