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29 abril 2018

Eram para nós...

... os corninhos de Manuel Pinho.
É este o título que 
João Miguel Tavares
escolheu para a sua coluna no
Público de ontem...
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João Miguel Tavares
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A partir do momento que descobrimos que Manuel Pinho é suspeito de ter continuado a receber 15 mil euros mensais do BES enquanto ocupou o cargo de ministro da Economia, aquilo que surge diante de nós é a primeira prova de algo que se adivinhava há muito -- os anos socráticos não foram o desvario de um homem solitário, especialmente dado à manipulação  e à ladroagem, mas o zénite de um regime profundamente corrupto, que envolveu as maiores figuras da política, da banca e da economia.
Aquelas pessoas não chegaram lá a cima e depois tornaram-se corruptas. A diferença entre uma coisa e outra é imensa. O que assistimos em Portugal não foi ao poder deixar-se corromper (acontece em todo o lado), mas sim à corrupção a chegar ao poder (acontece apenas em ditaduras ou em simulacros de democracia). Apesar de tudo, são duas formas bem distintas de roubar um país. No primeiro caso, o problema resolve-se prendendo os corruptos. No segundo caso, é indispensável uma profunda reflexão sobre a natureza de um regime que se deixa dominar anos a fio por um conjunto de distintos malfeitores, e a avaliar por que razão os quatro poderes fracassaram estrondosamente no exercício de vigilância mútua.
O que o novo caso de Manuel Pinho demonstra é que os pesos e os contrapesos do regime português se afundaram no pântano socrático. E perante isto há três tipos de reacção possível: 1) admitir o problema; 2) negar o problema; 3)relativizar o problema. Esta semana assistimos, por parte de membros destacados do Partido Socialista, aos três tipos de reacções.
1) Admitir o problema. Coube a Ana Gomes, mais uma vez, a única reacção decente perante tudo aquilo que vamos sabendo. Escreveu no Twitter: "O PS não pode continuar a esconder a cabeça na carapaça da tartaruga. O próximo congresso é uma oportunidade para escalpelizar como se prestou a ser instrumento dos corruptos criminosos. Pela regeneração do próprio PS, da Política e do País." Tudo dito e bem dito.
2) Negar o problema. A Arons de Carvalho coube esta semana o papel de porta-voz socrático. Em entrevista ao i disse que "a posição de Ana Gomes é um erro colossal", considerou que uma pessoa viver "com dinheiro emprestado" não é "reprovável", e apresentou o mantra dos actuais defensores de Sócrates, que, não podendo mais continuar a jurar a sua inocência sem fazerem figura de parvos, optam por declarar: "Quer o Manuel Pinho quer o José Sócrates não foram ainda condenados. Temos de esperar sem intervir e sem comentar." Portanto, já sabem: tudo caladinho até até 2028.
3) Relativizar o problema. Como de costume, coube a Carlos César e a Jorge Coelho o papel de cucos do PS. Os paninhos quentes que têm tido em relação a Sócrates não tiveram em relação a Pinho. Carlos César: "Se isso aconteceu, é uma situação incompreensível e lamentável." Jorge Coelho:"Acho essa questão tão grave, tão inédita, que não quero acreditar que seja verdade." Pinho, que nem sequer tem cartão de militante, dá jeito como bode expiatório de uma certa indignação socialista. O PS critica-o a ele e não ao outro, simula alguma virtude, assobia para o ar como se não fosse nada, e o país fica sentado à beira do caminho, aguardando que um dia lhe expliquem como foi isto possível.
A fórmula dessa possibilidade está à vista: foi possível porque poucos admitiram, muitos negaram e quase todos relativizaram. Assim aconteceu em 2008. Assim continua a acontecer em 2018.
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João Miguel Tavares
in."Público"
28 Abril 2018

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