...é o título do "artigo de fundo"
no Público que saíu esta manhã,
dia 26 de Maio de 2016
não assinado, como vai sendo hábito neste jornal...
(muito mau hábito, diga-se de passagem).
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O Presidente da República fala muito e em geral várias vezes ao dia, daí o risco de tropeçar nas suas próprias palavras. Porque as palavras do Chefe de Estado pesam, têm consequências e são dadas a controvérsia num país preso na malha de fragilidades várias, sejam de índole política, sejam de carácter económico, social ou financeiro. Nestas circunstâncias, um Presidente que diz uma palavra a mais acaba por ter de se explicar, justamente para evitar ser acusado de ser ele próprio o agente perturbador da mensagem que definiu como sendo o objectivo central do seu mandato: defender a estabilidade.
O Presidente da República
Marcelo Rebelo de Sousa
Ora ontem, Marcelo Rebelo de Sousa teve de vir em socorro de si próprio, tanta foi a comoção suscitada por uma frase por si proferida no dia anterior. Disse ele, quando questionado sobre o alegado esmorecimento das suas relações com o Governo: “Desiludam-se aqueles que pensam que o Presidente da República vai dar um passo sequer para provocar instabilidade neste ciclo até às autárquicas. Depois das autárquicas, veremos o que se passa mas o ideal para Portugal é que o Governo dure e tenha sucesso”. Claro que isto tem o potencial de uma bomba ao retardador, presa à cintura de António Costa, com toda a gente a ouvir o tic-tac em contagem decrescente. Lida à letra, a mensagem de Marcelo dá um prazo de validade ao actual Executivo na medida em que define o ciclo do seu próprio compromisso com a estabilidade. A partir daí logo se verá. A ser assim, a declaração presidencial não poderia ser mais incoerente, não só à luz da sua profissão de fé com essa mesma estabilidade, mas também tendo em conta a especialíssima relação de cordialidade que tem feito questão de manter (e de exibir) com o Governo, particularmente com o primeiro-ministro. Sem conseguir resistir, o Marcelo-analista ultrapassou e acabou por embaraçar o Marcelo-Presidente, que se sentiu obrigado a dar explicações. Assim: “Eu já tinha dito isso, não era uma novidade. O Governo dura uma legislatura, mas há uma tradição de as autárquicas terem uma leitura nacional. Já houve vários casos”, disse ele ao Observador. Mais: “Não acho que o Governo vá cair por causa das autárquicas” e até afasta a hipótese do resultado desse sufrágio vir a contaminar também o próprio PSD. “Quer Pedro Passos Coelho quer António Costa são duros e resistentes”, refere agora, talvez com excessiva dose de benevolência.
Mas descontada a falta de contenção presidencial, Marcelo tem toda a razão. É evidente que as autárquicas marcam um ciclo. Estaremos a meio da legislatura e as eleições locais serão inevitavelmente encaradas como a grande sondagem que avalia a prestação do Governo e também da oposição. Aliás, Passos Coelho já apontou a vitória como meta. É provável que uma derrota tenha consequências no seu próprio futuro. Em relação ao Governo, o que está em cima da mesa é o Orçamento de Estado para 2018 – o grande teste para aferir se a geringonça irá até ao fim. Marcelo só disse o óbvio.
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