Para o dia terminar em beleza, apenas mais um apontamento.
Diz respeito à Crónica de Faíza Hayat na Revista Xis de hoje.
Faíza é uma escritora jovem mas com uma filosofia de vida muito interessante e são sempre curiosos os seus escritos.
Faiza Hayat
“Quando voltei, o mês passado, do Egipto, tinha no gravador uma mensagem de uma amiga minha de Lisboa, avisando-me que estaríamos juntas no Dia da Mãe.
(…) “Lérida (ou Lleida) fica a menos de duas horas de Barcelona, em direcção a Saragoça.
(…) “Lérida (ou Lleida) fica a menos de duas horas de Barcelona, em direcção a Saragoça.
A minha amiga chegou à Catalunha no primeiro voo de Lisboa, alugou um carro no aeroporto e veio buscar-me. O objectivo da visita era um “pueblo” triste nos arredores de Lérida. Aliás, o objectivo era o cemitério da vila.
“ A minha Mãe morreu nesta estrada, era eu criança, num desastre de viação. Eu ia no carro. O meu pai conduzia”, contou-me esta amiga, num tom muito calmo.
A campa não era sítio nenhum: uma lápide de mármore frio, uma cruz de latão, um nome castelhano. “Não é o nome da minha Mãe. Os nomes, sem as pessoas, duram pouco. Sobretudo num cemitério. Não conseguimos prende-los aqui. Apenas nos prendemos a nós”. Então para quê a visita de tão longe?
Durante quase vinte anos, ela veio àquele cemitério perdido, trazida pelo Pai, para deixar flores numa campa alheia, rezar uns minutos (ou deixar que passasse o tempo de uma oração, quando ela deixou de acreditar em orações), depor umas flores e voltar, em silêncio, a Portugal. Até ao ano seguinte, em Novembro, para nova visita, “Nunca fez muito sentido para mim vir cá. Acho que para o meu Pai também não. Mas vínhamos aqui por mim. Até ao dia em que ele foi capaz de me contar como tudo aconteceu, o acidente, a autópsia, a escolha de a Mãe ficar aqui “e não viajar mais””. Esse dia aconteceu há pouco.
Durante quase vinte anos, ela veio àquele cemitério perdido, trazida pelo Pai, para deixar flores numa campa alheia, rezar uns minutos (ou deixar que passasse o tempo de uma oração, quando ela deixou de acreditar em orações), depor umas flores e voltar, em silêncio, a Portugal. Até ao ano seguinte, em Novembro, para nova visita, “Nunca fez muito sentido para mim vir cá. Acho que para o meu Pai também não. Mas vínhamos aqui por mim. Até ao dia em que ele foi capaz de me contar como tudo aconteceu, o acidente, a autópsia, a escolha de a Mãe ficar aqui “e não viajar mais””. Esse dia aconteceu há pouco.
“Compreendi então que a melhor maneira de honrarmos os mortos é amar os vivos que eles amavam. Há muito tempo que nada da minha Mãe existe na campa da minha Mãe. Existiu um corpo e um frio, ali, mas depois o corpo desapareceu, por rotação dos restos. Hoje, é uma ficção. Aquele sítio é apenas o sítio do último sítio. E depois do último não há nada. A não ser… nós: os vivos”.
Os vivos são os que recordam, mas também os que amam. A minha amiga tirou da malinha um “spray” de tinta, agitou e escreveu no mármore: “Nenhuma de nós ficou aqui. Adeus”. Voltou tranquila nessa mesma noite a Lisboa.
Que pesada a ausência de Filipa, e que bom ter alguém para preencher a falta que ela nos faz.
Os vivos são os que recordam, mas também os que amam. A minha amiga tirou da malinha um “spray” de tinta, agitou e escreveu no mármore: “Nenhuma de nós ficou aqui. Adeus”. Voltou tranquila nessa mesma noite a Lisboa.
Que pesada a ausência de Filipa, e que bom ter alguém para preencher a falta que ela nos faz.
De regresso a casa, peguei no telefone, para uma surpresa de Dia da Mãe. “Pai? Sou eu…”
Tão bonito…
Faíza Hayat nasceu em Lisboa, filha de mãe portuguesa, católica, e pai goês, muçulmano.
Reside em Barcelona, onde prepara um doutoramento em antropologia.
Assinou durante vários anos uma crónica na revista XIS, "Conversas com o Espelho".
Tem contos publicados em diversas revistas espanholas e portuguesas.
O "Evangelho Segundo a Serpente" é o seu primeiro romance.
A compilação das suas crónicas num volume intitulado "Conversas com o Espelho" será igualmente publicada em breve pela Dom Quixote.
1 comentário:
Trouxe de casa onde não resido mais, papelada e mais papelada para onde estou agora.Pousei no chão o caixote e comecei a deitar fora o que já não fazia sentido. entre os papeis saltaram me para a mão as crónicas de Faíza no XIS que tanto me ilusionaram.Fiquei desde então rendida à sua escrita e agora que vou entrar num período de "choosing paths", vou entrar numa livraria e pegar no que encontrar desta escritora que tanto me impressiona.
Muitas vezes utilizei a sua frase "Margarida eu fosse" na crónica "A luz e o lume"
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