Botânica Geral
Cadeira do 1ºAno do Curso de Ciências Biológicas
Carlos das Neves Tavares
Prof. Carlos das Neves Tavares
Recorro às palavras que o meu antigo colega de Curso, Professor Fernando Catarino, escreveu aquando da Homenagem prestada pela Faculdade de Ciências aos Professores Cientistas daquela casa, já desaparecidos, no 90ºAniversário da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
O Professor Carlos das Neves Tavares nasceu em 1914 e faleceu em 1972.
“O saber botânico de Carlos Tavares era sólido, actualizado e variado; levava muito a sério a docência e era coerente e dedicado na pesquisa científica. Quando, para clarificar ou dar força a uma teoria desfiava exemplos atrás de exemplos que me parecem hoje adequados e oportunos, pareciam-me então, triviais e redundantes”
…no fundo, eu gostava das suas aulas e sorvia todos os detalhes sem, por um momento, tirar os olhos da figura nada vultuosa do Professor.”
Carlos Tavares não era um homem alto. Tinha a estatura de um homem normal, um homem comum que na rua não dava nem gostava de dar nas vistas. Vestia bem com sobriedade, e lembro a sua figura dentro de uma gabardina clara, nos dias de chuva e passo apertado, no caminho entre a Livraria Escolar Editora e a porta da Secção de Botânica lá ao fundo da Avenida das Palmeiras quase a chegar ao jardim Botânico. Aquele caminho era sacramental e diariamente executado, pelo menos duas vezes por dia… Ali ao lado, paredes meias com o seu gabinete, era o "Anfiteatro das Botânicas" onde tínhamos as nossas aulas teóricas; as aulas práticas passavam-se numa sala cujas janelas abriam lá para trás e de onde enxergávamos o Jardim Botánico, com aquela imensa Fucus elastica ali à esquina, quase em cima de nós...
Era aí no Anfiteatro das Botânicas que tínhamos as nossas aulas teóricas e onde havia muito respeitinho pelo Professor que não era lá muito para graças. Bom Professor mas… exigente! E nós tínhamos… não era medo… era antes um respeito muito vincado por um homem que levava a vida com seriedade demais.
Naquela altura o Professor Carlos Tavares teria uns 40 anos e nós 18 ou vinte… Apenas o Fernando Catarino se permitia por vezes ultrapassar aquela barreira que se interpunha entre a secretária do Mestre quando dissertava as suas lições e as filas de carteiras do anfiteatro… onde nós pousávamos um tanto retraídos.
E é o Catarino que continua:
“Tavares tinha um gosto especial pela biologia vegetal comparada e evolutiva. Com modernidade, nunca apresentava uma única explicação dos factos mais controversos, nem considerava nenhum tema como acabado. Gostava de sublinhar os diferentes tipos de incerteza e o entrechocar de opiniões, como que a orientar onde era preciso ou valia a pena aprofundar a pesquisa.
Perceba-se agora como, com o passar dos anos, cresceu em mim a admiração por Tavares, a par de algum remorso pelos momentos de chacota mental com que eu salpicava de lúdico as aulas e descuidava a tomada de apontamentos. Valia, na preparação de frequências e exames, para colmatar os muitos hiatos , o registo, taquigráfico, de todas a palavras proferidas pelo Mestre, que a maioria das colegas conseguia apanhar. Havia quem nem sequer levantasse os olhos dos cadernos, bejes, tarjados de azul, adquiridos no Costa.”
Lembro muito bem algumas destas “heroínas” que até os “àpartes” e os “espirros” do Mestre, assinalavam, nos tais cadernos que o Catarino atrás refere… muitas vezes com o registo da hora a que tinham acontecido… A Carolina Cascais, a Elisa Lisbão, a Guida Mayer, a Milú Lemos Cabral mas, principalmente a “nossa” Carolina… “nossa” por ter feito a sua vida em Setúbal de onde é natural e ter sido nossa colega aqui no Liceu de Setúbal até há uns anos atrás.
Claro que uma boa parte dos alunos descuravam um pouco esses apontamentos. Confiávamos no belo trabalho delas… Muitas vezes faltávamos mas… elas estavam lá! Muitas vezes os “afazeres” da Associação de Estudantes eram mais fortes que o “prazer” de ouvir o Mestre, mas… elas estavam lá!
Do grupo que se aproveitava daquele trabalho de “ouve e escreve”, das nossas colegas “da primeira fila”, recordo alguns que nunca mais vi… como o Carlos Ervedosa, o Adolfo Mendes Estudante, o Morgado… Também fazia parte deste Curso do 1ºAno, o Carlos Almaça que permaneceu naquela Faculdade na área das Zoologias e que, tal como o Catarino, também chegou a Professor Catedrático.
Mais adiante, o Fernando Catarino, continua;
“Tinha fama de duro e exigente; chumbava-se bastante na Sistemática, pelo que infundia mais temor do que admiração. Nem admira que não soubéssemos nessa altura separar e valorizar, na sua personalidade exigente, o que nele havia de essencial, como docente e pesquisador probo e dedicado, relativamente ao acessório, e menos importante, derivado do seu modo reservado e solitário.”
Na excelente análise que dele faz um dos seus melhores biógrafos e íntimo amigo, Germano Sacarrão, reconhecendo-o embora de “temperamento tímido e retraído, dá-o como pessoa sensível, cortês e de excelente cultura”
É ainda o Professor Catarino quem o afirma:”Não me recordo de que alguma vez tenha chegado atrasado , um minuto que fosse (a uma aula), e creio que nunca me brindou, nem aos colegas, com uma única falta.”
“…a exposição das matérias começava mal entrava na sala, antes mesmo de depositar a tralha sobre a mesa. As suas disciplinas eram essencialmente a Sistemática e a Ecologia, mas eu tive a sorte de seguir, logo no primeiro ano, o seu Curso de Botânica Geral, numa das raras ocasiões em que por qualquer razão lhe coube esta regência anual…”
O Fernando Catarino não se recorda da razão… mas recordo-me eu!
Nesse ano em que frequentámos o primeiro ano, o Professor que costumava reger a Cadeira de Botânica Geral era o Prof. Flávio Resende. Só que esse final do ano de 1953, Flávio Resende passou-o na Alemanha a efectuar quaisquer estudos, quem sabe se sobre a Cariocinese, cujos resultados publicaria uns anos mais tarde.
Numa entrevista conduzida por Nuno Campos, a Professora Maria Salomé Soares Pais, minha colega no Estágio Pedagógico no Liceu de Pedro Nunes em 1963/64, referia-se ao Professor Carlos Tavares nos seguintes termos, fazendo uma comparação pontual com Flávio Resende:
”Também houve o Prof. Carlos Tavares, que tinha um temperamento completamente diferente – especialista em líquenes – reconhecido internacionalmente, era muito metódico e de um rigor tremendo, incutia nos alunos um espírito sistemático e a necessidade de uma observação rigorosa. Sem a vivacidade do Prof. Resende, incutia nos alunos um espírito de enorme rigor na observação e na análise dos resultados. Sem dúvida que, usando metodologias completamente diferentes que dependem, em absoluto, da personalidade individual, estes dois professores transmitiram-me o interesse e o entusiasmo pela descoberta de soluções para problemas concretos, ao mesmo tempo que me incutiram a necessidade da observação rigorosa, atitudes indispensáveis no desenvolvimento de investigação de qualidade”.
Carlos Tavares rodeado pelo Curso que terminou em 1959/60
Apenas reconheço a aluna Maria Salomé, atrás à direita do Professor Carlos Tavares. Provavelmente já como Assistentes, estão presentes, o Carlos Almaça (no mesmo "meridiano" de Carlos Tavares) e o Fernando Catarino (com a face meio escondida, na 2ªfila)
cfr. "Memórias de Professores Cientistas" ed. FCUL (incluindo fotos)
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