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31 dezembro 2018

Um editorial escrito por...

Ana Sá Lopes
no Público
de Domingo,
em 30.12.2018
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Ana Sá Lopes
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O presidente da Câmara de Borba sabia que a estrada estava em perigo e não fez nada. As declarações que fez ao Público são um monumento à irresponsabilidade e um retrato da degradação da coisa pública. Numa reunião da Assembleia Municipal em 2014 ficou de convocar uma reunião alargada para discutir o risco. Essa reunião nunca aconteceu. Não sabemos se António Anselmo corou de vergonha quando disse o seguinte: "Não houve a reunião. Ainda não olhei para esses documentos. Digo isto sem qualquer tipo de desculpa. Entretanto passou [o tempo] e nunca mais ninguém me disse nada".

O
documento para o qual António Anselmo "ainda não olhou" é o memorando da Direcção-Geral da Economia do Alentejo que alertava para o risco de "deslizamento de camadas", quatro anos antes da tragédia na estrada que acabou por ruir. Apesar de a estrada estar na tutela do município desde 2005, o presidente da câmara disse ao PÚBLICO que não deu importância ao assunto porque "se houvesse perigo", alguém o "teria avisado novamente". Mais: a estrada violava as medidas de segurança, porque tinha apenas seis metros de largura, quando o plano de pormenor obrigava a que tivesse o dobro. Interrogado sobre mais este incumprimento, António Anselmo diz que quando chegou à câmara em 2013 havia dívidas de 11 milhões de euros e que teve outras preocupações. A tenebrosa incapacidade do presidente da câmara - e do resto da câmara, pressupõe-se, que não fez nada - explica o acidente de Borba. Mas os sucessivos governos que passaram para a tutela das autarquias infra-estruturas onde se joga a segurança das populações são co-responsáveis pelo país disfuncional que António Anselmo simboliza. A ideia de que o caso de Borba está "resolvido" com o pagamento de indemnizações é o pior que pode acontecer. Um Estado que tem um Instituto da Mobilidade e dos Transportes para fiscalizar as estradas nacionais e entrega as estradas municipais claramente ao deus-dará põe em causa todos os dias a segurança dos cidadãos. A ideia de atribuir às câmaras toda a responsabilidade por este tipo de vias é errada. As câmaras não sabem o que fazer e não têm meios.

Caberia na cabeça de alguém que a segurança do aeroporto de Lisboa fosse da tutela da câmara municipal? A descentralização é uma coisa boa, desde que não ponha em causa a segurança dos cidadãos.
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in. "Público"
30. 12.2018

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