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27 novembro 2018

São pequenos ditadores...

...no Editorial do
"Jornal i", em
26.11.2018
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José Cabrita Saraiva
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Por estes dias ficámos a saber que o ano letivo de 2016/2017 registou o valor mais baixo de sempre de chumbos nas escolas portuguesas. Evidentemente é uma notícia que nos deve alegrar, até porque o chumbo desencadeia um círculo vicioso: o aluno retido tenderá a desinteressar-se cada vez mais das aulas, sendo muito difícil motivá-lo e voltar a pô-lo nos eixos.
Se à primeira vista temos, portanto, motivos para nos regozijarmos, importaria no entanto saber se este recorde mínimo de chumbos se deve a uma melhoria real do nível dos alunos ou a um abaixamento da fasquia da exigência. Estarão as notas a ser inflacionadas porque há instruções para não chumbar? Ou porque um professor que tencione chumbar um aluno se mete numa carga de trabalhos?
A realidade é que, de há uns anos para cá, tem ganho força uma corrente que pretende pura e simplesmente que todos os alunos passem de ano,
independentemente do seu interesse ou grau de aproveitamento. A intenção é sem dúvida a melhor, e terá vantagens que não podemos ignorar.
Mas acarreta uma consequência perigosa.
O poder de chumbar ou aprovar é o
derradeiro recurso ao alcance do professor para disciplinar os seus alunos. Não tem de ser um instrumento de chantagem nem de terror, mas o simples facto de o aluno saber que tem de merecer a passagem influencia a sua atitude.
Como se comporta um aluno que sabe que não pode ser chumbado? Se for um jovem estruturado e responsável,
não haverá qualquer problema. Mas se tiver tendência para o desleixo ou mesmo para a má-criação, então está o caldo entornado, porque a certeza de que passará em qualquer circunstância lhe dá uma sensação de invulnerabilidade.
Algumas revoluções começam assim, justamente quando as pessoas comuns percebem que podem desrespeitar as regras ou a autoridade e não lhes acontece nada.
Por vezes, isso é excelente, porque ajuda a derrubar ditadores. Mas nas salas de aula pode ser terrível, porque mina a autoridade do professor e quem se transforma em pequenos ditadores são os alunos.

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Publico
26.11.2018

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